
Lorena Carneiro – Acadêmica do 3º semestre de Relações Internacionais da Unama
O continente africano, recorrentemente, é analisado de uma forma generalizada, tendo suas características geográficas, étnicas, sociais e culturais desprezadas, fazendo com que várias realidades se tornem únicas para o restante do mundo, perpetuando a imagem de uma região que se resume a pobreza e miséria.
A África, historicamente explorada em todos os seus níveis, tem feridas que até hoje sangram. Conflitos étnicos. Fome. Miséria. Doenças. Ao invadirem o continente, os colonizadores impuseram aos nativos um modelo de sociedade tipicamente europeu (TOLEDO,2021), desestruturando a organização social desses povos, dando a eles uma despersonificação da sua realidade e de sua humanidade, quando considerados inferiores e selvagens pelo homem branco.
O norte africano, também chamado de África Setentrional, África Mediterrânea ou África Islâmica, é composto por Egito, Líbia, Argélia, Tunísia e Marrocos. Porém, a ONU – Organização das Nações Unidas – incluiu nesse rol, o Sudão e o Saara Ocidental como componentes da região (ONU NEWS,2008), totalizando, aproximadamente, 160 milhões de habitantes. Apesar de possuir problemas, essa porção continental, quando comparada ao restante, possui indicadores socioeconômicos mais positivos. Mas o cenário vem sofrendo modificações importantes, gerando instabilidade econômica e, consequentemente, insegurança alimentar para a população.
Analisando a área norte do continente, dois países têm destaque na economia: Egito e Marrocos. Ambos com grande atividade turística, mas que foram bastante afetados na pandemia, aonde a circulação de pessoas foi interrompida. Já a Líbia é grande produtora de petróleo e gás natural, o que eleva os índices econômicos da região. Então, qual o motivo de insegurança alimentar nesses países?
Além da pandemia pelo Covid-19, que escancarou os abismos do mundo em relação à África, exemplos são o baixíssimo número de pessoas imunizadas no continente e as políticas públicas ineficientes para amenizar a fome durante o isolamento social, há outros dois fatores que intensificam a crise alimentar: os conflitos armados e as mudanças climáticas.
A África é um continente conturbado, que ao sair das garras do colonialismo caiu em vários conflitos infraestatais e guerras civis, provocados por questões identitárias e exploração de recursos naturais (SITOE,2019). Os conflitos armados impedem a produção e a distribuição agrícola. Nessas condições, a comida vira arma de guerra, onde a escassez de produtos afeta os preços, intensificando a vulnerabilidade do mercado interno, prejudicando os exportadores e os pequenos produtores. Caminhando ao lado do conflito, há o deslocamento humano para áreas que possibilitem o mínimo de sobrevivência, instalando um novo ciclo de exploração de recursos naturais.
No Egito, por exemplo, a instabilidade política quanto ao comando do país leva a um cenário preocupante, pois as diversas tentativas de tornar o chefe do Executivo um líder permanente inflama os ânimos da oposição, além de desrespeitar vários parâmetros de direitos humanos (MINAS,2019). Aliado a essa crise, o país disputa com Etiópia e Sudão as águas do rio Nilo, importantíssimo fator na produção agrícola da região. Por sua vez, o Marrocos está (ainda) envolvido na disputa pelo Saara Ocidental, que por várias vezes já foi levado aos palcos da ONU para uma tentativa de solução, preservando a vida e os direitos humanos dos envolvidos.
Em relação às mudanças climáticas, já existem evidências que a África é uma das áreas mais propensas a sofrer tais impactos (BUANANGO,2020), como a desertificação do solo, fazendo com que inúmeras famílias percam sua subsistência, além do excedente de sua produção, que é fonte de renda.
Tais situações impactam negativamente a satisfação da Agenda 2030 da ONU na região. O estudo da FAO- Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação- destaca que 52 milhões de pessoas já sofrem de subnutrição crônica na região (ONU NEWS,2019). Com o cenário pandêmico e, agora, com o conflito instalado no Leste Europeu, dando ao mundo muito mais incertezas quanto ao futuro, a disponibilidade de alimentos é alterada mais uma vez, fazendo com que os preços aumentem, não sendo alcançados por boa parte da população.
Referências:
BUANANGO, Maitu Abibo. Novo coronavírus Sars-Cov-2 e o agravamento da insegurança alimentar em países africanos com histórico de eventos climáticos e conflitos armados. Revista Simbio-Logias, V.12, Nr.16, 2020.
Presidente do Egito poderá seguir no cargo até 2030. Estado de Minas. Internacional. Postado em 16/04/2019. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2019/04/16/interna_internacional,1046755/presidente-do-egito-podera-seguir-no-cargo-ate-2030.shtml. Consulta em 01/03/2022.
Sudão e Saara Ocidental são debatidos na ONU. ONU News. Disponível em https://news.un.org/pt/story/2008/04/1237441-sudao-e-saara-ocidental-sao-debatidos-na-onu-portugues-para-africa. Publicado em 30/04/2008. Consulta em 01/03/2022.
Mais de 52 milhões de pessoas passam fome no Oriente Próximo e Norte da África. ONU News. Disponível em https://news.un.org/pt/story/2019/05/1671361. Publicado em 08/05/2019. Consulta em 01/03/2022.
SITOE, R. Terrorismo em Moçambique? Que soluções de políticas? Um olhar aos ataques de Mocímboa da Praia. Rev. Moçamb. Est. Int., Maputo, v. 1, n. 1, p. 1-20, 2019.
TOLEDO, Aureo. Perspectivas pós-coloniais e decoloniais em relações internacionais. Salvador: EDUFBA, 2021.