Giovanna Lima
Internacionalista formada pela Universidade da Amazônia
Entre os diversos elementos que podem ser atribuídos às explicações do conflito entre Rússia e Ucrânia, um deles é a formação social e identitária do povo ucraniano. Para compreender mais sobre essas questões é necessário voltar alguns anos no passado.
Conhecida como Rus Kievana, esta é uma unidade política que está na origem da civilização eslava e antecedeu a atual Rússia e Ucrânia. Como poder ser visto na imagem abaixo, o Rus abrangia uma grande área que corresponde a uma parte do território da Bielorússia, Ucrânia e Rússia. Desse modo, os três países reivindicam a Rus Kievana como as origens do seu Estado (BUSHKOVITCH, 2014, p. 25 APUD RIBEIRO, 20015, p.39). Assim, por compartilharem uma mesma origem e possuírem laços históricos, muitas vezes o discurso de uma identidade unitária é utilizada como forma de reforçar a noção de um direito da nação russa.

É importante destacar também que a Ucrânia foi uma das repúblicas da União das Repúblicas Soviéticas (URSS) e foi por meio dos longos anos em que esteve sob este domínio que o país recebeu influências identitárias, geopolíticas e econômicas que determinam as relações entre as três nações até os dias de hoje.
Atualmente o idioma russo é falado por uma grande proporção de sua população e muitos aspectos culturais são compartilhados entre os povos dessa região e do restante do território que hoje conhecemos como Rússia.
Após o colapso da União Soviética em 1991, a Ucrânia foi uma das primeiras repúblicas soviéticas a conquistar a sua independência e a partir de então, cria-se uma grande divisão interna na Ucrânia entre regiões onde a população possui a língua ucraniana e regiões onde a língua russa é mais falada. Estas questões étnicas e identitárias refletem diretamente na relação de pertencimento desses povos com ambos os países.
Assim, desde então a elite ucraniana se dividiu entre os que apoiam postura pró-Rússia e uma vinculação maior com o país e os que preferem o afastamento e um alinhamento maior com o ocidente, Estados Unidos e União Europeia (MIELNICZUK, 2006, P 228). Deste modo, desde de a independência da Ucrânia e a criação do Estado ucraniano, os governos se revezaram entre uma dessas forças políticas.
É possível identificar no mapa abaixo esta divisão supracitada sobre questões linguísticas e culturais. Pode-se perceber, portanto, que a região autônoma de Donbass composta por Donetsk e Luhansk, os territórios em questão na atual disputa, tem uma inclinação maior ao governo russo.

Desse modo, um dos acontecimentos centrais que evidencia o impacto dessa divisão e da intervenção ocidental na Ucrânia é o chamado Euromaidan que aconteceu em 2014 que foi um movimento com certo apoio popular no Oeste ucraniano que tinha por objetivo pressionar o presidente Viktor Yanukovytch, pró-Rússia, a uma política de maior integração com a União Europeia e acabou derrubando o presidente do poder.
A população do Leste ucraniano de maioria étnica russa, se opôs ao Euromaidan e se posicionando em defesa do presidente deposto. A partir disso, iniciou-se levantes populares em Donbass que resultou no início de um processo separatista na Ucrânia, se subdividindo entre a República Popular de Donetsk e a República Popular de Luhansk. Grupos armados pró-euromaidan atacaram de maneira violenta essas regiões, mais de 40 pessoas foram mortas dentro um prédio, esse acontecimento é conhecido como o massacre de Odessa.
Neste contexto, a Rússia ocupou a Criméia, região de maioria étnica russa e que havia sido cedida pelo partido comunista da URSS em 1954, porém ainda possuía laços muito fortes culturais, históricos e identitários com a Rússia, tendo uma grande quantidade de cidadãos russos ou falantes do idioma russo. Assim, desde a derrubada de Yanukovytch, a presidência segue sendo ocupada por representantes com alinhamento pro Ocidente e oposição a Rússia.
Percebe-se, portanto, a forte influência de questões éticas, culturais, linguistas e histórias que fundamentam um sentimento de pertencimento de um povo a uma região dando base para compreender movimentos separatistas como é o caso de Donbass. Como visto, também, a partir de recursos discursivos nacionalistas o governo russo justifica seus ataques a região autônoma tendo como argumento um histórico pertencimento russo e fundamentando uma noção que é um direito da nação russa.
Referências:
MIELNICZUK, Fabiano. Identidade como fonte de conflito: Ucrânia e Rússia no Pós-URSS. CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 28, no 1, janeiro/junho 2006, pp. 223-258
ORTEGA, Felipe Afonso. Cores da Mudança? As Revoluções Coloridas e seus reflexos em política externa. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009.
RIBEIRO, Renata Corrêa. As relações da Rússia com a Ucrânia e a Moldávia: Uma perspectiva comparada da Política Externa Russa Para A Crimeia e a Transnístria. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2015.
SOAVINSKI, Carla. Rússia e Ucrânia: Identidade nacional enquanto causa de Conflito. Universidade de Brasília. Brasília, 2015