Matheus Castanho Virgulino, acadêmico do 7° semestre de Relações Internacionais na Unama.
“Fúria, Ô Deusa, canto da fúria do filho de Peleu, Aquiles” com estas linhas entoadas por um poeta cego da Ásia menor no século VIII a.c, chamado Homero, a maior obra da literatura ocidental se inicia. As sagas homéricas da Ilíada e da Odisseia são divisoras de águas, elas foram a culminação de toda a história anterior do mediterrâneo oriental e influenciariam toda a mentalidade dos Greco-Romanos, mas a história por trás do mito é até mais fascinante do que as pelejas de Agamêmnon e Priam.
A Ilíada reconta a história de um conflito cataclísmico, maior do que qualquer outro visto na região do mar Egeu, entre os Aqueus (Gregos) e a cidade-estado de Troia. Mais de mil navios foram convocados por Agamêmnon, rei de Micenas, para defender a honra de seu irmão Menelau de Esparta, cuja esposa Helena havia sido sequestrada pelo príncipe Paris de Troia. Além da primorosa prosa oferecida por Homero, vemos relatos de combates titânicos entre guerreiros semidivinos que estremeciam a terra sob seus pés e intrigas dos Deuses no Olimpo para favorecer seus heróis mais estimados (Durant, 2018).
Se uma cidade chamada Troia existiu, provavelmente encontrava-se na costa oeste da atual Turquia, que os antigos Helenos chamavam de Iônia. A partir de evidências arqueológicas e pistas oferecidas pelo próprio Homero em sua obra, o consenso histórico atual era que sua posição privilegiada no Helesponto, que controlava a passagem entre o mar de Marmara e o mar Egeu, foi o principal ponto de tensão para o conflito. Os Troianos em si apesar de estarem numa zona de influência cultural micênica eram provavelmente vassalos do vasto império Hitita que controlava a Anatólia. Diversos costumes Troianos (como poligamia e arquearia) demonstra que eles tinham mais em comum com as culturas do Oriente ocidental na época da era do bronze. Os seus oponentes Aqueus haviam suplantado a civilização talasocrática dos Mineus da ilha de Creta, e comandavam um vasto império marítimo (Alexander, 2014).
A guerra de troia foi devastadora para a região do mar Egeu, todos os reinos envolvidos foram enfraquecidos, e como consequência disso os Micenos e Troianos foram as primeiras dentre muitas civilizações que caíram junto ao colapso da era do bronze no século XIII a.c. O que seguiu foi um período de 500 anos de “idade das trevas” em que as cidades Gregas foram desertadas, a maior parte da população tornou-se camponesa sobre o reinado de reis fracos e a alfabetização extinguiu-se quase por completo. Mesmo quando os Gregos se separaram por séculos das magníficas muralhas de Micenas e Troia, eles nunca esqueceram as histórias de seus famosos ancestrais navegadores, por meio da transmissão oral. Com o tempo o período Micênico tornou-se quase como uma era mágica, onde os Deuses andavam entre os mortais (Durant, 2018).
Mesmo quando a Grécia reergueu-se com a consolidação das cidades-estados no final do período Homérico, as histórias da Ilíada e da Odisseia deram aos Helenos uma sede insaciável pela glória e uma joie de vie que permitiu o florescimento da filosofia, das artes e do esporte. Em resumo pode-se afirmar que o espírito dos antigos Gregos foi construído sobre uma “educação de heróis” que permeava quase todos os aspectos de suas motivações (Marrou, 2014). Mesmo quando a Grécia foi conquistada pela jovem Roma esse mesmo ideal levou ao surgimento de uma equivalente busca pela conquista pessoal e valor marcial nos Romanos, que tornar-se-ia a base da mentalidade medieval.
Não é difícil ver como as obras de Homero e a guerra que as inspirou mantiveram-se relevantes mesmo quase 3000 anos depois de serem cantadas. O mesmo sangue humano que foi derramado nas areias da Anatólia hoje é derramado nos campos de batalha da Ucrânia e na Síria, mesmo que a visão da guerra como algo “honroso” ou “heroico” seja totalmente ultrapassada nos conflitos fanáticos e fratricidas do mundo moderno. É importante vermos os heróis de Homero menos como um modelo para ser seguido milimetricamente e sim como um relato de uma mentalidade que é agora inconsebível para nós, mesmo que possamos encontrar virtudes nas palavras e histórias escritas por ele que chegaram pelos ventos da história até nós. A Ilíada concede-nos uma lição valiosa de revolta contra a tirania logo nas suas primeiras páginas, quando a “fúria” de Aquiles se manifesta na sua desobediência aos crimes do rei Agamêmnonn, o herói então recusando-se a lutar por ele. É este mesmo espírito de justiça que levou ao surgimento da democracia que deve ser lembrado nos desafios do século XXI.
REFERÊNCIAS :
ALEXANDER Caroline. A GUERRA QUE MATOU AQUILES : A VERDADEIRA HISTÓRIA DA GUERRA DE TROIA. Rio de Janeiro : Editora Bertrand Brasil, 2014.
DURANT Will. THE LIFE OF GREECE : THE STORY OF CILIZATION, VOLUME II. BN Publishing, 2018.
MARROU Henri-Irinée. LA HISTOIRE DE L’ÉDUCATION DANS L’ANTIQUITÉ : LE MONDE GREC. Éditions Points, 2014.