
Prof. Dr. Mário Tito Almeida
A centralidade da discussão sobre mudanças climáticas e as questões ambientais tem sido a tônica dos debates internacionais principalmente por sua urgência e impactos que vem sendo sentidos em várias partes do planeta. Assim, regiões como a Amazônia passam a ter atenção especial por serem estratégicas na manutenção do equilíbrio no ecossistema mundial.
Nesse contexto, retornam também notícias, manchetes, opiniões sobre a internacionalização da Amazônia. Isto é, “a problemática da intervenção internacional é trazida à tona juntamente com a emergente questão ambiental” (DE TILIO NETO, 2020, p. 26).
Mas, na prática, o que significa isso? O que as pesquisas em Relações Internacionais têm a dizer sobre o tema?
Em Relações Internacionais, especialmente sob o viés realista, estuda-se que a gestão de um território é atribuição reservada pelo governo de um país que o contenha e faz parte da soberania que este país possui (BIERSTEKER, 2000; SASSEN, 2006). Conforme a Carta de São Francisco, o Tratado que criou a Organizações da Nações Unidas, somente em situações extremas o Conselho de Segurança pode autorizar o uso de força externa ou intervenção, definidos claramente seus limites e prazos, dentro de um país.
Nesse sentido, ou seja numa perspectiva mais política, a gestão da Amazônia brasileira é de responsabilidade única e intransferível do Brasil. No caso da Pan-Amazônia, esta é atribuição de cada país que possua parte desse bioma em seu território, afastando totalmente a ideia de intervenção internacional como violação das fronteiras.
A possibilidade de internacionalização da Amazônia como perda da soberania brasileira da região dentro de seu território é praticamente nula. Pelos motivos elencados acima, a soberania de um Estado Nacional é princípio básico do respeito a um país, consagrado, inclusive, na Carta de São Francisco, o Tratado Constitutivo da ONU.
Pode-se falar, no entanto, em interesse internacional sobre a Amazônia, basicamente de duas naturezas. O primeiro, pela riqueza de sua biodiversidade que atrai todo tipo de atores que buscam ter acesso a ela por meios, inclusive, ilícitos: biopirataria, mineração, posse de recursos minerais, etc. O segundo se refere à legítima intenção de preservar/conservar a região por sua importância no equilíbrio ambiental e climático no mundo e pelo desejo de colaborar com o país na manutenção. Importante é separar o que joio do que é trigo nesse interesse.
De acordo com DE TILIO NETO (2010) é possível falar em intervenção ambiental e em ingerência ecopolítica. Para o autor, estas estariam calcadas na ideia que o descaso com o meio ambiente gera violações aos direitos humanos e, por isso, é fundamental garantir cidadania ambiental aos prejudicados por esse descaso, partindo do pressuposto que a comunidade internacional não é formada por Estados, mas por seres humanos.
Com efeito, ele comenta que “as mudanças observáveis no cenário internacional levam a uma situação de limitação do princípio realista da não intervenção, e portanto a uma limitação relativa do conceito de soberania, acompanhados de um fortalecimento de direito e de fato das formas de organização interestatais coletivas” ((DE TILIO NETO, 2020, p. 38)
O que pode acontecer é o estabelecimento de acordo entre países e/ou Organizações Internacionais para cooperação técnica e financeira que auxilie na gestão da Amazônia, tal como a ajuda internacional configurada no Fundo Amazônia. Este, segundo seu site oficial, “tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Também apoia o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no restante do Brasil e em outros países tropicais”.
Cabe ressaltar que a assinatura de um Tratado (que é o documento legal que rege as relações entre sujeitos de direito internacional) pressupõe que um país ceda parte de sua soberania sobre o objeto a que ele se refere e para o qual foi assinado. O Brasil é signatário de vários Tratados em diversas áreas. Por força deles, o país acata os termos descritos no documento legal, para além de algum interesse imediato específico. Caso um país deseje retornar ao status anterior, ele se retira do Tratado e reassume integralmente a soberania sobre aquele tema / área que foi objeto do documento.
Não existe tratado versando sobre gestão da Amazônia e, por isso, não se pode falar em cessão de parte da soberania do país e nem em internacionalização da região. Importante frisar que os principais lugares do mundo estão todos sob a soberania de um país: Museu do Louvre, Cataratas do Niágara, Jazidas de Petróleo e Diamantes, etc.
Um dos argumentos mais usados em fóruns internacionais a respeito da internacionalização da Amazônia é o fato de estar sendo constatada a falta de responsabilidade do atual governo brasileiro com a Amazônia, concretizada pelo afrouxamento da legislação ambiental, pela falta de compromisso com vigilância e controle e pela permissão ao avanço de práticas econômicas que destroem a cobertura florestal. É um argumento forte, mas que não deve estar acima da autonomia do povo brasileiro em ser protagonista para mudança desse processo, sem ingerência internacional.
Como se percebe, a questão não é de simples resolução, pois, se de um lado, há a necessidade de salvaguardar a soberania brasileira na Amazônia, de outro é importante considerar as pessoas e comunidades originárias, que vivem dessa terra e com ela possuem relação umbilical, que necessitam de ajuda para além do governo do País.
REFERÊNCIAS:
ANDREAS, Peter. Redrawing the line: borders and security in the twenty-first century. In: International Security, vol. 28, n. 2, 2003.
BIERSTEKER, Thomas J. State, sovereignty and territory. In: RISSE, SIMMONS & CARLSNAES. Handbook of international relations. London: SAGE Publications, 2002.
DE TILIO NETO, Petrônio. Soberania e ingerência na Amazônia brasileira. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010.
SASSEN, Saskia. Territory, authority, rights: from medieval to global assemblages. Princeton: Princeton University Press, 2006.
http://www.fundoamazonia.gov.br/pt/home. Acesso em 01/02/2022.