Kellimeire Campos- Internacionalista formada pela UNAMA.

Abordar o tema de direitos reprodutivos diante da realidade brasileira, onde, 1 a cada 4 mulheres sofre violência obstétrica (Fundação Perseu e Sesc, 2010), e de um governo que trata questões de saúde pública com seus preceitos morais sem a utilização de dados científicos, e nenhum respeito a vida das pessoas, é um grande desafio para pesquisadores e para os leitores que buscam construir visões críticas baseadas na ciência.

Este texto possui como objetivo fazer um breve comentário sobre parte do discurso internacional de direitos reprodutivos, com ênfase no que é produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU), através da teoria “pós-moderna” das relações internacionais, baseada no filósofo Michel Foucault.

Para iniciarmos, é necessário esclarecer alguns conceitos foucaultianos, como, o de práticas discursivas, que são o conjunto de discursos e circunstâncias, que podem ser sustentadas por instituições responsáveis pela subjetivação em um determinado assunto, através do estabelecimento de regimes de verdades. Neste caso, podendo ser exemplificados em formas de tratados, como, o Plano de ação de Cairo, a Declaração Pequim, entre outros documentos internacionais que merecem uma atenção especial para o estudo das Relações Internacionais (FOUCAULT, 1979).

De acordo com Foucault (1988) foi a vida, muito mais do que o direito, que se tornou objeto das lutas políticas. Neste sentido que ele elaborou seus estudos sobre a biopolítica, a qual o homem é um ser da espécie biológica, que passa por processos de subjetivação e objetivação, e que o Estado passou a disciplinar e regular como um todo de população.

Foucault (1979) retratou a subjetivação como um processo que ocorre em todas as civilizações com todos os indivíduos. Possui como finalidade determinar identidades de acordo com fins estabelecidos por uma estratégia dominantes, e que resultam das relações de domínio sobre si na sua convivência com o outro.

Partindo para a denominação “Direitos Reprodutivos”, ela ficou consagrada no discurso internacional da ONU, no ano de 1994, na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, realizada em Cairo. E encontra-se no parágrafo 7.3 do Programa de Ação de Cairo: 

“se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito e gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução livre de discriminação, coerção ou violência, conforme expresso em documentos sobre direitos humanos.”

Na época os países conservadores não queriam que ficassem estabelecidos estes termos sobre reprodução, mas diante de uma demanda global a ONU serviu de arena de negociações para que os Estados pudessem delimitar aquilo que eles percebiam como importante para os desenvolvimentos econômicos deles.

Desde 1946 a ONU elabora estudos sobre os direitos das mulheres através da Comissão sobre o status da mulher (CSW). Desde então ocorreram diversas Conferências, neste texto serão retratadas apenas algumas. Como, em 1975 foi promulgado o Ano Internacional da Mulher, e a CSW organizou a primeira conferência internacional sobre a mulher, denominada, Conferência do México. Que culminou com os dez anos seguintes que fizeram parte da Década das Nações Unidas para a Mulher, quando foram realizadas a Conferência Cairo e Pequim (ainda em 1995). E então, no ano de 2010, foi criada a ONU Mulheres.

Essa breve descrição do percurso do discurso da ONU para demonstrar que a Organização ao mesmo tempo que é uma catalisadora na construção dos discursos sobre direitos é limitada pelas táticas de gestão da vida das pessoas que melhor se encaixe no método de produção atual. Neste momento, o capitalismo, através do que a ONU Mulheres (2011) denomina “empoderamento econômico feminino” e que levaria a um caminho direto para a igualdade de gênero.

Os desafios para o reconhecimento e a tão esperada efetivação dos direitos reprodutivos são grandes. Porém, nos últimos anos observamos avanços na América latina, o que são estímulos para participação política e para elaboração de pesquisas que busquem ir além das aparências dos discursos totalizantes. 

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 8. ed.. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1979.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.

Fundação Perseu Abramo, SESC. Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado. 2010. Disponível em: https://apublica.org/wp-content/uploads/2013/03/www.fpa_.org_.br_sites_default_files_pesquisaintegra.pdf

ONU MULHERES. HeforShe UN Women Solidarity Movement for Gender Equality. <http://az668017.vo.msecnd.net/sitestorage/dist/content/uploads/2014/08/HeForShe_ActionKit_English.pdf&gt;