
Kalwene Ibiapina – Acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais da Unama
As Relações Internacionais (RI) é um campo de estudo que, como qualquer outro, passou e passa por transformações, sejam de ordem ontológica, epistemológica e/ou metodológica. Ao longo deste mais de um século de campo acadêmico, as RI já percorreram diversos caminhos teóricos, enfrentaram debates e embates, preencheram lacunas e continuam em construção (e desconstrução). É justamente essa característica diversificada, mutável, adaptável e insatisfeita que as movem e as distinguem de qualquer âmbito do conhecimento.
Neste contexto, as Relações Internacionais, como campo de estudo interdisciplinar, nem sempre contou com tamanha diversidade de temas e abordagens, hoje abrangidas pela área. Devido a um fenômeno das ciências sociais chamado Consenso Ortodoxo, quando as RI “nasceram”, já eram positivadas, isto é, fechadas a outros campos do saber. A citar, as Relações Internacionais são divididas em dois paradigmas: o positivista e o pós-positivista, mas, por muito tempo, a área manteve-se limitada às abordagens do positivismo.
Dentro deste paradigma, existem teorias específicas cujas particularidades e autores enxergam e explicam a realidade de acordo com suas abordagens próprias e idiossincrasias. No entanto, possuem elementos em comum que as localizam como positivistas: análises pautadas na dicotomia indivíduo-sociedade; tangibilidade; objetivismo; racionalismo; e nomotetismo ou lei geral. Neste sentido, por quase um século, as RI se desenvolveram dentro de abordagens restritas a concepções de uma realidade específica, com alvos de análise fundamentalmente voltados à figura do Estado, à política, à economia e ao militarismo.
No entanto, o domínio acadêmico nada mais faz do que refletir e explicar o que acontece nas relações internacionais como fenômeno. Nesta lógica, as relações internacionais até hoje ainda se manifestam e funcionam segundo as teorias do paradigma positivista, mais especificamente o realismo e suas vertentes, no entanto, para sobreviver aos tempos pós-modernos, se utilizam de determinadas ferramentas pós-positivistas, logo, a isso se denomina Positivismo Híbrido.
Avançando no panorama teórico, na década de 80, diante das transformações cada vez mais constantes pelas quais o mundo vinha passando, tornou-se impossível não discutir as mudanças que vinham sendo percebidas. Foi então quando se deu a Virada Linguística Epistemológica, introduzindo a linguagem como importante ferramenta para as análises em RI, a introdução do debate agente-estrutura e também o chamado 3º grande debate (positivistas vs pós-positivistas), argumentando sobre as teorias que vinham questionando os pensamentos tradicionais. Este contexto foi decisivo para as mudanças nas RI, mas não buscava “reinventar a roda”, e sim expandir as fronteiras da área (RESENDE, 2010, p. 27). Neste sentido, o pós-positivismo inaugura teorias como: o construtivismo, a teoria crítica, o pós-modernismo, as teorias feministas, as pós-coloniais e as não-ocidentais.
Sob a influência “racionalista” (positivismo) e a “reflexivista” (pós-positivistas), a teoria construtivista emergiu com uma oportunidade real e tímida, de tentativa de construção de uma ponte teórica ou teoria sintética das Relações Internacionais (ADLER, 1999, p. 206-207). Suas principais premissas são de que a realidade é construída, isto é, o mundo é um produto das nossas ideias, relações, escolhas e ações, portanto, a realidade é uma construção constante. Os discursos também são fundamentais à construção desta realidade e os atores são entendidos como agentes sobre os quais não existe uma antecedência ontológica entre eles e as estruturas, isto é, um não surgiu antes ou após o outro, mas foram co-construídos.
Já a Teoria Crítica (TC) surgiu como uma resposta crítica a todas as teorias anteriores. Com influência direta da Escola de Frankfurt e indireta do marxismo, esta teoria, diferentemente do construtivismo, busca não só questionar, como desconstruir toda a base ontológica, metodológica e epistemológica dos pensamentos tradicionais. Criticam o sistema anárquico, a inexorabilidade da guerra, e as forças e relações de produção. Ao passo que se aproximam das teorias idealistas, ao quererem um mundo melhor para o agora.
O pós-modernismo surgiu após momentos em que a área de RI atravessou tempos de crise: da modernidade, dos Estados nacionais, ambiental, de paradigmas e do conhecimento. Para o realista Edward Carr, “A real crise do mundo moderno é o colapso final e irrevogável das condições que tornaram possível a ordem do século dezenove. A antiga ordem não pode ser restaurada, e uma drástica mudança de perspectiva é inevitável” (CARR, 2001, p.302), portanto, sem crise não haveria uma área de RI, isto é, a crise também cria oportunidades e o pós-modernismo ou pós-estruturalismo certamente se alimentou disto para criar, refletir, desafiar e propor alternativas ao conhecimento da realidade.
As teorias pós-estruturalistas enfocam suas críticas no uso da razão como meio único de constatação da realidade e do conhecimento, daí a denominação “reflexivistas”. Objetivando não somente questionar, mas romper com as teorias tradicionais e desconstruir as estruturas vigentes, os pós-modernos inauguram ideias que priorizam a essência subjetiva à base metafísica, para a concepção das coisas. Erroneamente, se entende que são contrários à existência de qualquer tipo de estrutura, mas Jacques Derrida compreende que o “pós” do termo pós-estruturalismo não admite a negação da estrutura em si, mas objetiva a superação daquilo que a conceitua (MENDES, 2015). Logo, para os pós-modernos, desconstruir é inverter a lógica da estrutura e reafirmar aquilo a que ela se contrapõe.
Já as teorias feministas trouxeram às RI perspectivas críticas baseadas no gênero como objeto principal de estudo e pesquisa, inaugurando na disciplina abordagens que analisam contextos e conjunturas históricas. Estas teorias diferem em métodos e focos analíticos, e cada autor/a possui suas especificidades, mas possuem em comum a inclusão da dimensão política em suas análises e claro, do gênero, portanto, a grande importância deste grupo teórico é trazer às discussões globais o diálogo e a importância de se pesquisar e estudar RI, sempre de forma associada à perspectiva do gênero, e questionando os espaços nos quais há a predominância do sexo masculino e das teorias e abordagens tradicionais.
As perspectivas teóricas pós-coloniais são discussões recentes se comparadas às demais. Nascem na América Latina e se estendem para a África e Ásia, realizando um movimento de questionamento dos modelos de subserviência por tanto tempo vigentes, inclusive em nível mesmo teorético. Por muito tempo essa corrente esteve distante dos debates internacionais, seja por ter sido interpretado como um tema marginalizado ou pela ausência de diálogo entre estas e a Teoria das RI (JUNIOR E ALMEIDA, 2013).
Por fim, as correntes teóricas não ocidentais são teorias recentes e em emergência, e prezam por pensar as Relações Internacionais pautadas em concepções para além das estabelecidas pelo Ocidente. É um movimento de desconstrução e atualização teórica, na medida em que implica na necessidade de diversificar e contribuir com visões e compreensões analíticas não ocidentais, de onde imperam a quase totalidade das abordagens teóricas das RI. É um campo que vem sendo desenvolvido por pensadores, em sua maioria, asiáticos, mais especificamente, proveniente da China, Japão e Índia.
Por fim, tais teorias e suas temáticas, antes de tudo, procuram promover espaços epistemológicos e metodológicos que possibilitem chegar-se a uma compreensão ontológica das coisas. No caso das pós-positivistas, a partir do questionamento, chegar a uma compreensão das coisas para além dos significados estabelecidos pelas estruturas preponderantes ou mainstreams, possibilitando abrir caminhos para novas percepções e interpretações sobre novos e antigos objetos de estudo, de forma atualizada, fundamentada e abrangente, atenta às especificidades da vida e do sistema.
Referências:
ADLER, Emanuel. O construtivismo no estudo das relações internacionais. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 1999 [n. 47, pp. 201-246].
BARBOSA, Gabriela. O Construtivismo e Suas Versões no Estudo das Relações Internacionais. V Congreso Latinoamericano de Ciencia Política. Asociación Latinoamericana de Ciencia Política. Buenos Aires, 2010.
CASTRO, Thales. Teoria das relações internacionais / Thales Castro. – Brasília: FUNAG, 2012.
COX, Robert W. Social forces, states and world orders. Beyond international relations theory. Millennium – Journal of International Studies 1981; 10; 126
GIDDENS, Anthony (1989). A Constituição da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes (1ª edição original em 1984)
JUNIOR, Antonio M. E., ALMEIDA, Carolina S. Di M. Epistemologias do Sul: Pós-colonialismos e os estudos das Relações Internacionais, 2013: Relações Internacionais, Música, Cinema e História Política na 14ª Edição – ISSN 2179-2143.
MENDES, Cristiano. Pós-estruturalismo e a crítica como repetição. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2015, v. 30, n. 88 [Acessado 24 Novembro 2021] , pp. 45-59. Disponível em: https://doi.org/10.17666/308845-59/2015. ISSN 1806-9053.
MONTE, Izadora Xavier do. O debate e os debates: as abordagens feministas para as relações internacionais. Revista Estudos Feministas [online]. 2013, v. 21, n. 1, pp. 59-80. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100004. Acesso em: 02.12.21
RESENDE, Erica Simone Almeida A crítica pós-moderna/pós-estruturalista nas relações internacionais / Elói Martins Senhoras; Julia Faria Camargo (organizadores). Boa Vista: Editora da UFRR, 2010.
SARFATI, Gilberto. Teoria das relações internacionais / Gilberto Sarfati. — São Paulo: Saraiva, 2005.