
Gabriela Grosso – Acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais da Unama
Com os principais objetivos voltados à promoção do desenvolvimento humano e defesa da educação de qualidade para todos, cabe à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) fazer um mapeamento das políticas educacionais desenvolvidas em cada região, buscando identificar os principais desafios da agenda educacional. Através dessa análise pode-se ver o quanto a situação da educação é mais agravante na América Latina, por conta da desigualdade social muito presente no continente e que foi fortemente ampliado em meio à pandemia de Covid-19.
Essa desigualdade tem origem na colonização e até hoje afeta as estruturas sociais e culturais dos países da América Latina, sendo responsáveis também por moldar o sistema de educação. Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) de 2019, a pobreza na região está concentrada entre povos indígenas, afrodescendentes, pessoas com deficiência e residentes rurais, evidenciando os problemas de distribuição e como, consequentemente, esses grupos são mais afetados e menos propensos a uma educação de qualidade. Questão essa que foi mais acentuada com a pandemia do novo coronavírus, uma vez que, com a implementação das medidas restritivas e as aulas remotas após o fechamento temporário das escolas, muitos alunos se viram impossibilitados de acompanhar as aulas pela falta de acesso à internet ou a computadores.
Embora a Unesco tenha apontado que as taxas de conclusão aumentaram de 79% para 95% nos anos iniciais do ensino fundamental, de 59% para 81% nos anos finais do ensino fundamental, e de 42% para 63% no ensino médio entre 2000 e 2018 (UIS, 2018), ainda existem disparidades que impossibilitam uma melhora ainda maior no cenário. Entre elas tem-se a questão de gênero, onde é evidenciado que as mulheres têm mais chance de concluir os estudos do que os homens. Entre as razões disso, pode-se citar que os meninos que vêm de famílias mais pobres por muitas vezes sentem a necessidade de buscar empregos em que não é necessário um diploma, para ajudar na renda familiar. Com a pandemia, os dois gêneros foram afetados, já que muitas meninas começaram a ter responsabilidades domésticas que dificultavam o acompanhamento das aulas.
Os dados acerca do acesso de pessoas com deficiência à educação são ainda mais preocupantes. No Chile, aqueles sem deficiência tem 11,6 anos de escolaridade, aqueles com deficiência moderada alcançaram 9,6 anos e aqueles com deficiência grave chegaram a 7,1 anos de escolaridade (Ministério de Desenvolvimento Social e Família do Chile, 2016) e a situação se repete por todo o continente. Isso ocorre por vários fatores, desde a falta de acessibilidade nas escolas até aos problemas relacionados às didáticas implementadas em sala de aula.
Além disto, na América Latina existe também uma forte disparidade baseada em etnia e vale ressaltar que essa questão está diretamente relacionada com o fator histórico. A população atual, que é descendente dos povos que foram escravizados durante a colonização do continente, ainda são vítimas da desigualdade social. Confirmando isso, pode-se apresentar os dados recolhidos pela CEPAL (2017), apontando que no Brasil, a proporção de pessoas pobres é de 26% entre afrodescendentes e 12% entre outros.
Aproveitando a menção ao Brasil, é válido destacar que atualmente o país se encontra entre as quatro nações das Américas com os níveis mais altos de estratificação social. A Unesco aponta que essa desigualdade se dá principalmente pelo preço elevado da educação privada no país e mesmo na educação pública há custos que muitas famílias não podem arcar, como uniforme e artigos escolares. Essa situação complementa todos os outros exemplos apresentados acima, evidenciando o quanto a educação na América Latina tem que evoluir em muitos aspectos para que uma educação de qualidade possa ser oferecida a todos, sem distinção. A diretora-geral adjunta de Educação da Unesco, Stefania Giannini, disse que no caminho para se alcançar a igualdade são necessárias ações colaborativas e sustentadas.
Concluindo, é válido ressaltar para a visão sobre cidadania de Linklater, no que se refere à superação de déficits morais dentro das comunidades que as promovem. Ele afirma que desenvolver esse conceito é necessário para que surjam questionamentos a respeito do estabelecimento de direitos e respeito humano, injustiça social e desigualdades.
Portanto, pode-se notar que os fatos apontados durante a análise dialogam diretamente com essa afirmação e é possível inferir que as ações colaborativas devem vir em conjunto entre vários fatores para implementar o que foi pontuado. Pode-se começar falando da importância de políticas e leis que visem a implementação de estruturas fortes de governança, recursos financeiros, materiais de aprendizagem e ambientes adequados. Professores capacitados também fazem uma enorme diferença, uma vez que os profissionais são cruciais para abordar assuntos importantes como a discriminação, embora seja importante ressaltar que melhores condições de trabalho são necessárias para uma atuação mais efetiva. Concomitante a isso, é importante que os ambientes escolares sejam mais acessíveis e inclusivos. E o último grupo que exerce um papel considerável é a comunidade, que juntamente com ONGs podem pressionar governos para que cumpram seus deveres relacionados à educação inclusiva. Essas medidas apresentadas são significativas para uma possível melhora no panorama apresentado pela Unesco acerca na América Latina e garantir o ODS 4, que diz respeito a garantia de uma educação de qualidade e inclusiva.
Referências:
Chile Ministry of Social Development. 2016. Estudio Nacional de la Discapacidad: Informe Metodológico. Santiago, National Disability Service, Ministry of Social Development. Disponível em: http://ghdx.healthdata.org/record/chile-naHYPERLINK “http://ghdx.healthdata.org/record/chile-national-socioeconomic-characterization-survey-2015-2016″tional-socioeconomic-characterization-survey-2015-2016. Acesso em: 23 dez. 2021.
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FRANÇA, Kelly Ribeiro. Uma discussão sobre a ampliação da comunidade política: As negociações internacionais sobre Acesso a Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais Associados e Repartição de Benefícios. 2007. Disponível em: https://www.funag.gov.br/ipri/btd/index.php/10-dissertacoes/789
Meeting Commitments: Are Countries on Track to Achieve SDG 4? UNESCO Institute For Statistics, 2019. Disponível em: http://uis.unesco.org/sites/default/files/documents/meeting-commitments-are-countries-on-track-achieve-sdg4. Acesso em: 23 dez. 2021.
Quando as escolas se fecham: novo estudo da UNESCO expõe a falha das respostas educacionais à COVID-19 quanto ao fator gênero. UNESCO, 2021. Disponível em: https://pt.unesco.org/news/quando-escolas-se-fecham-novo-estudo-da-unesco-expoe-falha-das-respostas-educacionais-covid-19 Acesso em: 16 dez. 2021.
Relatório de Monitoramento Global da Educação 2020: América Latina e Caribe – Inclusão e educação para todos. UNESCO, 2020. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000375582.
Acesso em: 16 dez.
2017. Social Panorama of Latin America 2016. Santiago, United Nations Economic Commission for Latin America and the Caribbean. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/42717/6/S1800001_en.pdf. Acesso em: 23 dez. 2021.
2019. Social Panorama of Latin America 2019. Santiago, United Nations Economic Commission for Latin America and the Caribbean. Disponível em: https://www.cepal.org/en/publications/44989-social-panorama-latin-america-2019. Acesso em: 23 dez. 2021.