
Keity Oliveira – Acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais da Unama.
A população de Honduras fez história em uma das mais importantes eleições presidenciais do país, elegendo a primeira presidenta mulher. Com cerca de 51,45% da votação apurada desde o dia 28 de novembro, a esquerdista Xiomara Castro, do partido Liberdade e Refundação, obteve 1,7 milhão de votos contra 1,2 milhão do seu opositor, Nasry Asfura Zablah, do Partido Nacional de Honduras. Em clima de tensão diante de um país afetado pela pobreza e pelo aumento do narcotráfico que abrange, inclusive, o atual presidente Juan Orlando Hernández, a decisão que põem de volta o progressismo ao poder, foi dada como a maior votação da história diplomática do país.
Em Honduras, as eleições vem sendo turbulentas nos anos recentes, sendo marcadas por fraudes e seguidas de protestos por parte da população, que é brutalmente reprimida. Em 2017, o atual presidente Juan Orlando Hernández conseguiu se reeleger em meio a alegações de seus opositores de que teriam ocorrido fraudes no resultado das eleições, além disso, o presidente hondurenho é acusado por Promotores de Justiça estadunidenses de coordenar a ascensão de um “narco-Estado” no país e financiar suas campanhas por meio de dinheiro obtido com o tráfico de drogas, o que Hernández nega (Estado de Minas, 2021).
Nessa conjectura, de acordo com o Observatório Nacional da Violência de Honduras, ao longo da campanha presidencial de Hernandéz, pelo menos 31 políticos foram assassinados (Hartmann, 2021), demonstrando o aumento de casos de violência política no país e da forte repreensão e uso excessivo da força do Estado contra manifestantes que foram as ruas protestar contra o resultado das eleições, o que foi fortemente criticado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
O país permaneceu durante 12 anos com a direita no poder, após o episódio traumático de 2009, quando o então presidente Manuel Zelaya, marido de Xiomara Castro, foi afastado do poder devido a um golpe de Estado, apoiado inclusive, pelos Estados Unidos, pondo fim a onda de governos progressistas na América Latina e perpetuando os processos eleitorais carregados de fraudes (Cardoso, 2016). Ademais, o episódio de 2009 também significou, a consolidação do modelo neoliberal no país, onde se teve um longo processo de privatizações que alavancaram as problemáticas socioeconômicas, como o aumento da pobreza e do desemprego, sendo agravadas pela pandemia e a constante crise migratória, com milhares de hondurenhos partindo nas caravanas de migrantes para os Estados Unidos, em busca de trabalho e melhores condições de vida (Presse, 2021).
Neste seguimento, têm-se nas Relações Internacionais o paradigma idealista, uma das principais bases de estudo de teorias em RI e que se trata da “idealização do mundo que deveria ser moldado de acordo com preceitos de igualdade universalmente aceitos” (ARRAES et al, 2013, p. 60). Um dos autores mais estudados dentro dessa teoria é o clássico Jean-Jacques Rousseau, que defende que a única maneira de se conciliar a liberdade e igualdade em um governo é por meio da democracia (Rousseau, 2011).
Dessa forma, para o idealista, a importância de um Estado democrático está ligada a ideia de que todos governariam, tendo o mesmo poder político e que isso resultaria em um governo igualitário e livre, sendo uma ideia discorrida principalmente na sua obra “O Contrato Social” (1762), onde por meio de um contrato consensual e social se criaria um Estado ideal democrático em que a soberania pertenceria ao povo, de forma igual (Becker, 2010).
A partir da análise da teoria idealista e sob o viés do autor clássico, pode-se observar o grande significado que a vitória de Xiomara Castro trouxe para Honduras e seus habitantes, pois o país que esteve sendo marcado e afetado pelo fruto do autoritarismo, da corrupção e da pobreza, tendo sido também afetado pelo golpe de Estado de 2009 e pela ruptura da democracia no país, pode ter novas perspectivas de mudanças, através da volta do progressismo e da democracia, onde a participação da população é de suma importância para a criação de um ambiente livre e igualitário, como Rousseau discorria em sua obra.
Com a vitória de Castro, será possível observar diversas reformulações no país, como o estabelecimento de relações diplomáticas com a China, sendo que atualmente, Honduras reconhece a independência da nação de Taiwan, medida que é contestada pela grande potência e também pretende, por meio de um socialismo democrático, gerar novas oportunidades para a população hondurenha para que as taxas de migração do país diminuam (Hartmann, 2021). Em sua agenda, a candidata também pretende reformular as leis de aborto do país (que proíbe qualquer tipo) para que a interrupção voluntária da gravidez seja possível ser feita em casos de estupro, inviabilidade do feto e riscos de vida para a gestante, assim como abrir discussões sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo (García, 2021).
Portanto, a vitória histórica de Xiomara Castro tornou-se uma grande notícia que trouxe expectativas e esperanças para boa parte da população hondurenha. Apesar disso, Castro ainda terá que lidar com grandes desafios pela frente, para a reestruturação de um país que está profundamente atingido por crises sociais e econômicas. Nesse sentido, a decisão tomada pelos hondurenhos mostrou a insatisfação e desejo por mudanças diante o governo impopular de Juan Orlando Hernández e a busca pela volta da democracia no país, em que se reflete a vontade e os direitos da população, que foram ameaçados pelo autoritarismo e pela violenta repreensão. A vitória de Castro urge diante dessas necessidades e da retomada de diálogos pela transformação estrutural e significativa de Honduras, uma nação construída por anos de resistência popular.
REFERÊNCIAS
ARRAES, Virgílio et al. Introdução ao estudo das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2013. Acesso em: 15 de dezembro de 2021.
BECKER, Evaldo. Rousseau e as relações internacionais na modernidade. Cadernos de Ética e Filosofia Política, v. 1, n. 16, p. 13-34, 2010. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/cefp/article/view/82590 > Acesso em: 15 de dezembro de 2021.
CARDOSO, Sílvia Alvarez. Golpe de Estado no século XXI: o caso de Honduras (2009) e a recomposição hegemônica neoliberal. 2016. 128f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: < https://repositorio.unb.br/handle/10482/20405 > Acesso em: 14 de dezembro de 2021.
Estado de Minas – Eleição em Honduras causa temor de aumento da imigração para EUA. Publicado em: Novembro, 2021. Disponível em: < https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/11/28/interna_internacional,1326693/eleicao-em-honduras-causa-temor-de-aumento-da-imigracao-para-eua.shtml > Acesso em: 14 de dezembro de 2021.
GARCÍA, Jacobo. Xiomara Castro encabeçará giro de Honduras à esquerda. El País Internacional: Novembro, 2021. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/internacional/2021-11-30/xiomara-castro-encabecara-giro-de-honduras-a-esquerda.html > Acesso em: 15 de dezembro de 2021.
HARTMANN, Arturo. Honduras volta às urnas em eleição marcada por repressão e anticomunismo. Brasil de Fato: Novembro, 2021. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2021/11/28/honduras-volta-as-urnas-em-eleicao-marcada-por-repressao-e-anticomunismo > Acesso em: 14 de dezembro de 2021.
PRESSE, France. Xiomara Castro reivindica vitória em Honduras; apuração continua. G1 Globo: Novembro, 2021. Disponível em: < https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/11/29/xiomara-castro-reivindica-vitoria-em-honduras-apuracao-prossegue.ghtml > Acesso em: 15 de dezembro de 2021.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou princípios do direito político. Editora: Companhia das Letras, 2011. Acesso em: 15 de dezembro de 2021.