
Heloísa Cristina Valente do Couto Santos – Acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais da Unama
Erguida sob influências inglesas, africanas, indígenas e indianas, a pequena porção de terra recebera o nome de ‘Los Barbados’ por marinheiros portugueses em 1500 e seus primeiros habitantes foram indígenas venezuelanos e aruaques. Mais tarde, em 1627, os ingleses chegaram à região, e iniciou-se o processo de colonização. O nascimento da república de Barbados, em 2021, é um ponto chave do que pode vir a ser o início de um desprendimento, ou de uma maior dependência —em diversas esferas— de Barbados em relação ao Reino Unido, dentro de uma trajetória que envolve violência e omissão para com quem deveria ser o principal ator deste processo: a população.
Por mais de 200 anos, Barbados foi fonte de açúcar, fumo e algodão, por exemplo, a custo do sangue de numerosas vidas africanas que foram escravizadas por todo este período, como ditou o vice-diretor do Museu e Sociedade Histórica de Barbados, Kevin Farmer, em 2018. Na cerimônia de transição, o Príncipe Charles comentou o mais próximo que algum representante de Coroa Inglesa já havia comentado sobre o histórico de escravidão na ilha: “Desde os dias mais sombrios do nosso passado, e a atrocidade aterradora da escravidão, que mancha para sempre a nossa história, o povo desta ilha forjou seu caminho com extraordinária fortaleza. […]”.
O grande estigma que a história da ilha caribenha carrega em relação à Coroa Real Britânica é que, enquanto toda a hostilidade da escravidão acontecia em um território que era, na época, inglês, a Inglaterra — com toda sua hegemonia sobre os mares— beneficiou-se do tráfico de escravos e da produção que advinha destes, até que não lhes fosse mais conveniente. Reflexão negativa deste estigma é a má recepção que o membro da família real obteve, com sua presença sendo descrita como “um insulto”, e pedidos por desculpas e reparação histórica sendo feitos.
Pode-se traduzir a indignação atual e histórica da população barbadense para o pensamento do filósofo prussiano Immanuel Kant, vivido no mesmo período da escravatura em Barbados, que discute a respeito da irracionalidade humana, e traz em sua obra, “Doutrina da Virtude” (1785), que a falta da receptividade, da hospitalidade humana, taxa o homem como moralmente morto, e que sem a moral implicando estes sentimentos humanitários, os homens estariam fadados à um estado de animalidade irremediável, assim como o estado que a Inglaterra deixou que se instalasse em seu próprio território, durante mais de duzentos anos, apenas por segundos interesses em benefício próprio.
Diante deste cenário histórico, é clara a ambição dos barbadianos em se desvincular da Coroa, realizando assim, a transição de Monarquia Constitucional para República. Indubitavelmente, o nascimento da república mais jovem do mundo, até dado momento, soa como um fato “a entrar para os livros de história”, mas toda a beleza do que se espera que seja um progresso para o desenvolvimento do país, entra em contentamento quando se analisa a realidade da população, que não possui conhecimento do processo que está vivendo, tornando-o totalmente impopular, de forma a calar a voz do povo, que manifesta preocupações realistas como desemprego, segurança alimentar, e outros: o retrato de um país que viveu à sombra Inglesa por longo período de tempo, e foi exposto à luz muito rapidamente, sem comunicação prévia.
“[…] Liberdade, justiça e autodeterminação têm sido seus guias”. Diante da atual posição do povo barbadense, a fala do herdeiro ao trono Inglês torna-se controversa, mais ainda, se refletida através do pensamento do filósofo suíço Rousseau, que discursa sobre como a soberania de um Estado deve estar nas mãos do povo para que possa haver paz (GASPAR, 2016). Frente a uma transição tão impopular, a construção de uma república autodeterminante, soberana e independente, se coloca como um plano longínquo para Barbados.
Detalhe a se destacar, é que a ilha de Barbados decidiu por permanecer membro da Commonwealth, comunidade de nações que já pertenceram ao império britânico. Do ponto de vista da ilha, pode soar como uma constante lembrança do desejo pela reparação histórica tanto social, quanto financeira, acompanhada de uma busca por segurança e estabilidade econômica para a mais nova república, que tentará trilhar seus próprios passos agora, sem tutela do império inglês. Por outro lado, do ponto de vista britânico, o futuro desta comunidade é essencial ao recordarmos de um processo de peso que acontece atualmente: o Brexit. Firmar relações com os países membros da Commonwealth é um caminho a se tomar, para a potência que vem se distanciando da União Europeia.
Em um monumento memorial para o período de escravatura, em Bridgetown, capital de Barbados, há uma placa que funciona como nota aos cidadãos, para que jamais se deixem voltar a serem escravos novamente, mental ou fisicamente. Mesmo que a escravidão física seja abominada aos olhos da maioria da sociedade global no século XXI, a pauta do que pode vir a ser uma “escravidão mental”, para um povo que não discerne sobre sua realidade, mas busca incessantemente pela compensação alheia por seu passado, deve ser discutida, para que assim então, não somente em Barbados, mas em todas as populações e nações, haja a paz.
REFERÊNCIAS:
BARBADOS celebra nascimento de uma república e rompe com monarquia britânica. CNN, [S. l.], p. 1, 30 nov. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/barbados-celebra-nascimento-de-uma-republica-e-rompe-com-monarquia-britanica/. Acesso em: 9 dez. 2021.
BARREIRO, Maximiliano Martín. Barbados se convierte en república sin salir de una Commonwealth debilitada. THE CONVERSATION , [S. l.], p. 1, 29 nov. 2021. Disponível em: https://theconversation.com/barbados-se-convierte-en-republica-sin-salir-de-una-commonwealth-debilitada-171252 . Acesso em: 9 dez. 2021.
CALORI, François. Racionalidade prática e sensibilidade em Kant. Revistas USP, [S. l.], p. 1-10, 10 jul. 2012. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/download/64860/67476/85846. Acesso em: 9 dez. 2021.
DE MIGUEL, Rafa. Barbados se despede de Elizabeth II para se tornar uma nova república. El País, [S. l.], p. 1, 29 nov. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-11-29/barbados-se-despede-de-elizabeth-ii-para-se-tornar-uma-nova-republica.html. Acesso em: 9 dez. 2021.
EM BARBADOS, uma história de escravidão que não se revela. The New York Times, [S. l.], p. 1, 13 set. 2018. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2018/09/em-barbados-uma-historia-de-escravidao-que-nao-se-revela-cjm0t45cd030b01pxgvvpiye3.html. Acesso em: 9 dez. 2021.
GASPAR, Tatiana. Do contrato social – Jean Jacques Rousseau. Jusbrasil, [S. l.], p. 1, 10 dez. 2016. Disponível em: https://tatianapgaspar.jusbrasil.com.br/artigos/396970509/do-contrato-social-jean-jacques-rousseau . Acesso em: 9 dez. 2021.
KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Primeiros princípios metafísicos da Doutrina da Virtude. Trad. Hulshof, M., Nadai, B, Trevisan, D. São Paulo: Ed.Vozes (no prelo).
É sempre bom aprender e aprender; desta forma fica mais gostoso ainda! Vejo diariamente o quanto és esforçada e mereces “um lugar ao sol”.
Deus te abençoe 🙏🏻
Te amo🌹
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