Lorena Carneiro de Freitas – Acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais da Unama.

Migração é um tema que, nos últimos anos, tem ganhado destaque na mídia internacional, fazendo com que Estados e organizações tentem sistematizar a questão e entender os motivos que levaram ao aumento dos deslocamentos humanos ao redor do planeta. Nesse contexto, fatores como calamidades ambientais, perseguições políticas e/ou religiosas e guerras são propulsores de diásporas em algumas partes do mundo.

A movimentação humana não deveria ser encarada como um problema, pois a ideia de hospitalidade universal, já preconizada por Immanuel Kant (GERHARDT,2005) deveria ser seguida, fazendo do indivíduo um cidadão do mundo, exponenciando o cosmopolitismo, sempre com a observância dos direitos básicos inerentes ao homem, independente do lugar que ele se encontre. Tal característica é pressuposto básico para que a paz se torne eterna. Não há que se falar em hostilidades por parte de quem acolhe esse migrante. Como afirma o ilustre filósofo prussiano ” a ideia de um direito cosmopolita não é nenhuma representação fantástica do direito, mas um complemento necessário para um direito público da humanidade” (KANT,1795).

Para tentar organizar tais movimentos, em 1951, especialmente devido ao contexto pós-2ª Guerra Mundial, nasce uma agência especializada no tema. Surge a Organização Internacional para as Migrações – OIM, que conta, hoje, com a participação de 173 Estados-membros. A OIM é a principal organização intergovernamental mundial para migrações, atuando juntamente com os Estados e com setores da sociedade civil, não só ordenando as questões migratórias, mas também proporcionando desenvolvimento e igualdade dentro desse processo. Em 2016, a ONU – Organização das Nações Unidas – reconheceu a OIM “como ator indispensável no campo da mobilidade humana” (ALMEIDA,2020).

As palavras-chave para a atuação da organização é ordem e humanidade. Proporcionar ao indivíduo uma liberdade bem estruturada, sem perder o lado humano no processo, tanto de partida quanto de chegada. Esse é o ponto principal quando se fala em migrações internacionais. Os impactos que os migrantes causam, no seu país de origem e no país que os acolhem, são imensos e devem ser analisados em vários aspectos.

No campo econômico, por exemplo, deve-se analisar qual migrante está em deslocamento. É alguém com altas qualificações profissionais, que pode preencher uma lacuna na mão de obra especializada ou um trabalhador comum, que está disposto a se submeter a empregos tidos como desprestigiados? As respostas afetam diretamente a realidade dos países envolvidos, pois pode significar “fuga de cérebros” ou um ônus para o serviço de proteção social, por exemplo. Ademais, segundo dados da ONU em 2017 (ONU Brasil), os migrantes enviaram cerca de 450 bilhões de dólares em remessas para países em desenvolvimento e gastaram 85% do que ganharam nos países de acolhimento. Toda essa análise é colocada na mesa de discussões e estratégias da OIM, juntamente com seus membros.

Mesmo havendo toda essa estrutura montada para ajudar a quem queira se deslocar, cerca de 60 mil migrantes perderam a vida em viagens perigosas desde o ano 2000 (ONU Brasil). São pessoas que acabaram acreditando em promessas de quadrilhas especializadas em travessias clandestinas, algumas com objetivo de tráfico humano. Quando não perdem a vida, são tratadas como criminosos pelos governos nos lugares que chegam.Coibir essas práticas é o grande desafio da OIM no século XXI.

Em 2018, ocorreu em Marraquexe, no Marrocos, o Pacto Global para Migração. A reunião, convocada pela ONU, juntamente com a OIM, teve como objetivo tornar a migração mais digna e segura. Mesmo não sendo um acordo vinculativo, ou seja, cada Estado regulamenta suas diretrizes sobre o tema, ao desenvolver suas políticas, baseadas em sua soberania, precisa respeitar os direitos humanos e ter o senso de coletividade para a resolução dos impasses.

É fato que a migração está se tornando cada vez mais difícil. Durante o evento, a OIM destacou o caso de um navio saído da Líbia, o Nuestra Madre Loreto, que ficou retido no mar por mais de uma semana depois de resgatar os imigrantes que lá estavam. Nenhuma nação da União Europeia concordou em conceder autorização para a entrada dessas pessoas (ONU NEWS,2018). Isso mostra o quanto ainda precisa ser feito para que os migrantes tenham seus direitos respeitados.

O pacto global de migração está profundamente conectado com a Carta das Nações Unidas e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o que mostra um grande desejo de cooperação internacional. Infelizmente, dentro dessa ideia, o Brasil se retirou do acordo, ratificando cada vez mais a ingerência do governo federal na agenda internacional e no que tange ao respeito dos direitos humanos.

Em um cenário pandêmico, percebeu-se que a mobilidade pelo mundo diminuiu, devido às barreiras impostas pelos governos, segundo dados da OIM, em 2020. Porém, com o avanço da vacinação em muitos países, as fronteiras sendo, gradualmente, abertas, já se coloca em análise qual será a perspectiva para o próximo ano, pois o mundo enfrenta, agora, o processo de recuperação econômica, onde crises foram instaladas por conta da gravidade da pandemia pelo covid-19. O recebimento de migrantes por alguns países pode significar muito mais pressão nos programas econômicos e sociais.

A OIM, juntamente com a ONU, tenta sistematizar de forma humana o processo migratório, fazendo com que os direitos básicos do indivíduo sejam respeitados, independentemente do lugar que ele se encontre no mundo, traduzindo o ideal cosmopolita de Kant. A discussão acerca dessas temáticas universais tem se tornado necessária quando o mundo tem suas relações cada vez mais interligadas, não apenas nas esferas estatais. Somente com a construção de uma cidadania democrática, que ultrapassa as fronteiras tradicionalmente impostas pelos Estados, pode transformar o homem, independentemente da sua filiação nacional, integrante de uma sociedade civil global.

 REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Ari Cesar Paiva de. A Oganização Internacional para as Migrações e os desafios migratórios para o século XXI. Faculdade de Direito de Lisboa. 2020.

GERHARDT, Maria Luiza. À paz perpétua de Immanuel Kant. Resenha in: Revista Educação, ano XXVIII, n.1(55), p. 143-154. Porto Alegre: Jan-Abr.2005.

KANT, Immanuel. À paz perpétua: um projeto filosófico. Tradução Artur Morão. Colecção Textos Clássicos de Filosofia. Universidade da Beira Interior. Covilhã: Portugal, 2008. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/kant_immanuel_paz_perpetua.pdf

OIM – Organização Internacional para as Migrações. https://brazil.iom.int/

ONU Brasil. Migrações: um fenômeno global. Canal ONU Brasil. Disponível em: Migrações: um fenômeno global

ONU News. Saiba tudo sobre o pacto global para migração. Publicado em 08 de dezembro de 2018. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2018/12/1650601