Keity Oliveira – Acadêmica do 2° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

O Estado do Pará tem sido palco de intensos conflitos por terras e, apresenta hoje, um dos maiores índices de concentração fundiária do Brasil. A crescente expansão homogênea do capitalismo pelo campo, por meio de políticas desenvolvimentistas onde as terras são ocupadas e usadas para a agropecuária, o extrativismo e práticas ilegais articuladas pelo Estado, configuram e estimulam desafios estruturais como os conflitos agrários.

Diante disso, as repercussões dessas problemáticas e as constantes pressões exercidas por movimentos sociais do campo, têm chamado a atenção para a atuação do Estado brasileiro em relação as suas políticas elitistas e excludentes que afetam a ordem e o bem-estar social desses espaços.

Em primeira análise, segundo Bernardo Mançano, professor da Unesp e coordenador do Dataluta, banco de dados da luta pela terra, o Brasil possui uma das estruturas fundiárias mais concentradas do mundo, sendo uma herança do sistema colonial, onde cerca de 1% dos proprietários detém 60% das terras (EL PAÍS, 2017). A concentração fundiária se dá principalmente, por conta da expansão homogênea do agronegócio, do latifúndio e dos interesses das grandes corporações multinacionais em arrendar essas terras, tendo o consentimento do governo federal para tal feito.

Neste seguimento, o Pará é um dos estados com maior número de casos relacionados com conflitos rurais e assassinatos decorrentes, sendo que no ano de 2020 foram registrados 300 casos na região e entre os anos de 2010 e 2020, 133 pessoas foram mortas em conflitos agrários, segundo dados levantados pela Comissão Pastoral da Terra (G1, 2021).

Em 17 de abril de 1996, ocorreu um dos maiores conflitos por terras do Brasil no Estado do Pará, conhecido como o “Massacre de Eldorado dos Carajás”, onde 19 trabalhadores rurais que estavam protestando na PA-150 para conseguir a desapropriação da fazenda Macaxeira, ocupada na época por 3,5 mil famílias sem-terra, foram mortos por policiais militares (PEREIRA, 2020). Este caso é considerado como um dos casos mais graves de assassinatos de trabalhadores rurais e camponeses, ganhando grande notoriedade nacional e internacional e que escancara a violência e barbárie desses conflitos no Estado, mesmo não sendo o único.

Em segunda análise, o paradigma globalista das Relações Internacionais é uma das principais bases de estudo de teorias em RI que tem como ponto inicial de análise, o contexto global em que estão inseridos os Estados e outras entidades que interagem com eles (SARFATI, 2005). Dentro desta perspectiva, o globalismo possui como principal foco de estudo a economia global, onde analisa-se a estrutura da economia política internacional e sua construção com o intuito de manter os países mais pobres e subdesenvolvidos, dependentes dos Estados mais ricos através de relações de dependência entre eles por meio do sistema capitalista que condiciona o comportamento de todos os Estados e atores internacionais (VENTURA; CAVALCANTI; PAULA, S.D.).

Nesse cenário, a partir do paradigma globalista, é possível analisar a questão da estrutura fundiária no Brasil e o aumento dos conflitos agrários no Estado do Pará, por meio das transformações desenvolvimentistas ocorridas no campo brasileiro com a expansão do modelo capitalista dominante (que segundo o globalismo, seria o fator condicionante entre o comportamento dos atores internacionais e as dinâmicas do sistema internacional), tendo, consequentemente, relações mais amplas de poder e de dominação, ocasionando o aumento no número de conflitos (TAVARES, 2009).

Os conflitos agrários no Estado paraense ganharam grande notoriedade da mídia nacional e internacional com o Massacre de Eldorado dos Carajás (1996), o Massacre de Pau D’arco (2017) e a morte da missionária Dorothy Stang (2005) que lutava pelos direitos dos trabalhadores rurais e camponeses. A grande repercussão dessa problemática fez com que o Governo Federal, em 2001, criasse as Varas Agrárias em diferentes regiões do Estado, que tinham como objetivo a diminuição desses conflitos, porém, apenas refletiu os discursos elitistas por parte do Judiciário Brasileiro, que vê de forma legítima os interesses das elites ruralistas e que fez pouco em relação a impunidade desses casos (QUINTANS, 2008).

Apesar de se ter a notoriedade de organizações internacionais que defendem os direitos humanos e a constante pressão de movimentos sociais, ainda há a omissão do Poder Federal, assim como o sucateamento de órgãos especializados nessa questão como o INCRA, o IBAMA e o ICMBio, principalmente durante o governo atual de Jair Bolsonaro, paralisando os mecanismos que poderiam ser adotados para avançar as políticas de Reforma Agrária no país.

Portanto, a estrutura fundiária do Brasil é marcada pelo choque entre os grandes latifundiários e as populações mais pobres do campo, que enfrentam de forma cotidiana a exploração predatória de oligopólios ruralistas, grileiros e grandes empresas. Os movimentos sociais do campo para a reivindicação do direito á terra por meio da reforma agrária também são constantes, onde a luta do campesinato e dos trabalhadores rurais é feita sob um viés básico e essencial: a necessidade de sobrevivência (SILVA; PEREIRA; JUNIOR, 2012).

Sendo assim, os sujeitos coletivos que se organizam em mobilizações são de suma importância para a promoção de uma nova dinâmica política participativa, que seja capaz de expor as demandas sociais e traduzir as diferentes lutas da sociedade civil por meio da resistência e da ecologia de saberes, conceito cunhado por Boaventura de Sousa Santos, sendo um processo coletivo e essencial de pluralidade de conhecimentos que visam reforçar as lutas pela emancipação social dos povos (CARNEIRO; KREFTA; FOLGADO, 2014).

REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Fernando Ferreira Ferreira; KREFTA, Noemi Margarida; FOLGADO, Cleber Adriano Rodrigues. A práxis da ecologia de saberes: entrevista de Boaventura de Sousa Santos. Tempus Actas de Saúde Coletiva, v. 8, n. 2, p. 331-338, 2014. Disponível em: < https://www.tempus.unb.br/index.php/tempus/article/view/1530 > Acesso em: 09 de novembro de 2021.

El País – Chacina no Pará escancara escalada da barbárie em conflitos agrários no Brasil. Publicado em: 27 de maio de 2017. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/25/politica/1495737149_649329.html > Acesso em: 08 de novembro de 2021.

G1 Globo – Pará registra 300 conflitos agrários em 2020, aponta Comissão Pastoral da Terra. Publicado em: 19 de outubro de 2021. Disponível em: < https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/10/19/para-registra-300-conflitos-agrarios-em-2020-aponta-comissao-pastoral-da-terra.ghtml > Acesso em: 08 de novembro de 2021.

PEREIRA, Antonio de Jesus. O massacre de Eldorado dos Carajás/PA (1996-2019) e o desdobramento da luta de classes. Tese de Doutorado: Universidade Federal de Goiás, 2020. Disponível em: < https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/10758 > Acesso em: 08 de novembro de 2021.

QUINTANS, Mariana Trotta. Políticas públicas e conflitos no campo do Pará: o papel das varas agrárias. 2008. Disponível em: < https://ageconsearch.umn.edu/record/113352/ > Acesso em: 09 de novembro de 2021.

SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

SILVA, Cristiane Freitas da; PEREIRA, Tatiane da Silva; JUNIOR, Airton Silva de Sousa. Conflitos Agrários, Violência e Impunidade: a luta do campesinato paraense por justiça social. 7º Encontro Anual da ANDHEP. GT 11: Estado, Conflitos e Acesso á Terra. UFPR, 2012. Disponível em: < http://andhep.org.br/anais/arquivos/VIIencontro/gt11-04.pdf > Acesso em: 09 de novembro de 2021.

TAVARES, Francinei Bentes. Os conflitos agrários e o processo de reordenamento fundiário na região sudeste do Pará: uma proposta de abordagem a partir da sociologia dos regimes de ação. Revista IDeAS, v. 3, n. 3, p. 440-474, 2009. Disponível em: < https://revistaideas.ufrrj.br/ojs/index.php/ideas/article/view/2 > Acesso em: 08 de novembro de 2021.

VENTURA, Carla A. Arena; CAVALCANTI, Melissa Franchini; PAULA, Dante Pinheiro Martinelli. 2-A ABORDAGEM SISTÊMICA E A TEORIA GLOBALISTA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: APLICAÇÃO PRÁTICA EM EMPRESA TRANSNACIONAL NA FRANÇA E NO BRASIL. S.D.