Maria Bethânia Galvão (acadêmica do 4º semestre de RI da UNAMA)
Keity Silva de Oliveira (acadêmica do 2º semestre de RI da UNAMA)
A internacionalização de produtos culturais brasileiros está cada vez mais crescendo, tendo-se como exemplos o brega e o tecnobrega, ritmos musicais conhecidos mundialmente e que são derivados da estética Caribenha-Amazônida e que foram internacionalizados dentro de uma estratégia de soft power do Brasil. Nesse sentido, essa expansão estratégica por meio do poder brando, contribuiu para uma imagem positiva do país e da região amazônica, sendo que a cultura se tornou um segmento em crescimento dentro do mercado interno brasileiro e em diferentes mercados globais, tendo-se uma boa aceitação dos produtos culturais e sendo vistos como aspectos de diferenciação do país. Logo, essa dinâmica cultural amazônida se constitui como um importante fator para se conhecer de forma aprofundada a Amazônia e sua história, assim como favorece o acesso de outros países aos bens culturais, seja por meio de um intercâmbio de bens ou por meio do turismo, contribuindo para uma difusão cultural em nível internacional.
A música caribenha tem como ponto inicial a sua influência na região amazônica por meio dos espaços de cosmopolitismo transatlântico, como os portos e adjacências – bares, prostíbulos, comércios. As trocas interculturais, fruto do contato de pessoas que vêm e vão para lugares diferentes, funcionam como um canal inicial das hibridizações posteriores, se ressalta que os portos funcionam desempenham não somente uma função econômica, como também de zona de influência cultural (FARIAS, 2011, p. 230). Nesse contexto, se pode exemplificar a cidade de Belém, perante sua formação socioespacial quanto metrópole regional durante o ciclo da borracha, pois seus portos, localizados no estuário amazônico, lhe conferiram posição de prestígio na região, pois toda mercadoria que chegava nas embarcações teria de passar pelo porto belenense. A partir desse processo, formou-se um centro urbano adjacente à área dos portos que continham a presença de espaços de lazer para os trabalhadores marinheiros estrangeiros, os quais entravam em contato com os habitantes da região, desempenhando verdadeira troca cultural.
Em sequência, outro fenômeno que incorporou a música caribenha ao contexto regional da Amazônia foi a massificação do rádio, o qual permitiu que as ondas de rádio dos países caribenhos sintonizassem com as frequências do rádio de localidades próximas, tal sintonia não conseguia alcançar outras regiões do Brasil que não a amazônica. Nessa circunstância, a participação dos ritmos caribenhos, como a lambada, o merengue e o calypso, foram significativos para a construção cultural do hibridismo transatlântico sonoro na Amazônia, pois a incorporação desses ritmos ao carimbó e a guitarrada – tidos como ritmos singulares do Pará, foi fundamental para criar um padrão estético de ritmos da Amazônia-Caribenha, assim como conferiu caráter singular de flexibilidade e adaptabilidade do músico amazônida de fazer um ‘mix’ desses ritmos, como afirma Pinduca, cantor e compositor paraense, conhecido como Rei do Carimbó:
“O músico paraense é um dos melhores músicos do Brasil heim? Porque ele toca de tudo. Qualquer gênero ele toca. Por que? Porque ele foi muito influenciado […]” (entrevista concedida ao autor Darien Vicent Lamen, 8 de julho, 2009).
Somado a isso, durante o ciclo da borracha, se intensificaram as transações comerciais na zona portuária de Belém, na qual era o ponto de convergência transnacional, ligando o norte brasileiro aos países vizinhos da Amazônia equatorial como Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. Nas embarcações constavam mercadorias diversas que alimentavam as economias formais e informais (LAMEN, 2018, p. 21), entre elas os discos de vinil e gravações, o que também facilitou a difusão dos ritmos típicos destes países. Essa dinâmica revela a posição estratégica que as cidades portuárias em vias de desenvolver uma metrópole, como a cidade de Belém, no Pará, em junção com intensa atividade comercial internacional, são capazes de desenvolver uma cultura local híbrida, conferindo práticas singulares de consumir e produzir música, considerando seu cosmopolitismo, podemos dizer que o porto é um espaço de hibridizações por excelência (FARIAS, 2011, p. 230).
Vale ressaltar que durante o ciclo da borracha, a Amazônia passava por um processo de imposição de valores europeus com a Belle Époque que formalizou uma elitização do acesso à cultura, o que reforçava a desigualdade social e a repressão à cultura local/nativa, portanto, o estabelecimento da difusão cultural com a conexão Amazônia-Caribe representou não somente a consequência do intenso intercâmbio, mas também estabeleceu as primeiras formas de resistência cultural.
De acordo com a temática abordada, o processo histórico de aculturação difundido pelo imperialismo francês na Belle Époque configura um soft power – capacidade de convencer os outros a fazer algo por meio da influência cultural e ideológica (Sousa-Filho & Neto, 2016 apud Nye Jr. 2004, 2011), em face da dinâmica cultural local amazônida. Essa, por sua vez, se posiciona como resistente a esse processo, por intermédio da criação de um hibridismo estético latino (Caribe-Amazônia), desempenhando as primeiras formas de superação do neocolonialismo que rompe com a tentativa de “unidade” cultural colonizadora, de maneira a desempenhar uma reterritorialização bastante rica, recriando, pela mistura, novas formas de construção identitário-territorial (HAESBAERT, 2012, p. 31).
Portanto, apesar das escolhas artísticas da época se limitarem, em grande parte, às tendências culturais imperialistas da mídia formal, o músico paraense possui capacidade formidável de adaptar influências diversas e, assim, criar algo novo dentro de uma estética musical alicerçada em valores coletivos locais (LAMEN, 2018, p. 17). As épocas seguintes ao hibridismo caribenho amazônida foram promissores, em razão da difusão cultural, em nível internacional, dos ritmos criados desse processo, a exemplo do brega e as suas variações, por artistas como a banda Calypso e a cantora Gaby Amarantos, elevando o patamar da cultura popular e a sua relevância de patrimônio cultural e imaterial.
Diante o exposto no texto, cabe-se destacar o Grupo de Estudos Musicais da Amazônia (GEMAM) que se encontra cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é certificado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp) da Universidade do Estado do Pará (UEPA) desde novembro de 2010. O grupo desenvolve projetos de pesquisa e realiza estudos dirigidos na área de Etnomusicologia, bem como organiza eventos científicos, regularmente, em parceria com o Laboratório de Etnomusicologia (LabEtno) da Universidade Federal do Pará (UFPA). O principal objetivo é o levantamento de materiais a respeito da história musical e artística da Amazônia (mas não apenas dela), além de realizar uma abordagem crítica da linguagem e do fazer musical atual, com enfoque etnomusicológico e/ou estético. Pretende-se ainda compreender sentidos e especificidades das linguagens artísticas em diferentes culturas, incluindo a música, nas perspectivas estética, cultural e social.
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Instagram do GEMAM: https://instagram.com/gemam.uepa?utm_medium=copy_link
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Por fim, evidencia-se o trabalho já mencionado anteriormente no Amazônia em Foco do BATUQUES – Grupo de Pesquisa em Patrimônio Cultural e Representações do Lugar do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da UNAMA (PPGCLC), que tem como objetivo a compreensão das manifestações culturais da Amazônia praticadas por diferentes atores e grupos sociais a partir de um processo de interação entre saberes e fazeres no contexto de re (produção) e r (existência) de um espaço vivido. O grupo de pesquisa também possui um programa na Rádio Unama FM -105.5 aos sábados (16hrs) e domingos (10hrs).
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REFERÊNCIAS:
FARIAS, Bernardo. O Merengue na formação da música popular urbana de Belém do Pará: Reflexão sobre as conexões Amazônia-Caribe. Revista Brasileira do Caribe, São Luis, Vol. XI, nº22. Jan-Jun 2011, p. 227-265.
HAESBAERT, R. Hibridismo cultural, “antropofagia” identitária e transterritorialidade. In: BARTHE-DELOIZY, F., and SERPA, A., orgs. Visões do Brasil: estudos culturais em Geografia [online]. Salvador: EDUFBA; Edições L’Harmattan, 2012, pp. 27-46. ISBN 978-85-232-1238-4
DE LIMA, A. F. “O Caribe é aqui!”: Considerações sobre a construção de uma identidade ético-estética paraense. Revista de Estudos em Relações Interétnicas | Interethnica, [S. l.], v. 14, n. 1, 2014. DOI: 10.26512/interethnica.v14i1.15348. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/interethnica/article/view/15348. Acesso em: 14 de novembro de 2021.
LAMEN, Darien Vicent D. Reflexões críticas sobre a lambada, identidade cultural e o mito fundador da Amazônia. In: Sociedade e saberes na Amazônia / Organização de Marco Antônio da Costa Camelo et. al. – Belém: EDUEPA, 2018. 271 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8458-037-8. Disponível em: < https://paginas.uepa.br/eduepa/wp-content/uploads/2019/06/SOCIEDADES-E-SABERES-DA-AMAZONIA.pdf > Acesso em: 14 de novembro de 2021.
NETO, Alexandre Rabêlo; SOUSA-FILHO, José Milton de. A influência do soft power na internacionalização dos produtos culturais brasileiros: Uma proposta de framework. São Paulo, v.11, n. 1, p. 37-48, jan./abr. 2016, e-ISSN: 1980-4865. Disponível em: < http://internext.espm.br > Acesso em: 14