Victtor Rodrigues Calderaro Pereira – Acadêmico do 2º semestre de Relações Internacionais da Unama.

A partir do golpe de Estado orquestrado pelos militares que, em 1889, induziu a proclamação de um regime republicano no Brasil, inicia-se um processo radical de mudança nas diretrizes da Política Externa Brasileira (PEB), que abdicou da trajetória diplomática do império, devido a um profundo sentimento de rejeição das políticas imperiais, por parte do Governo Deodoro da Fonseca (DORATIOTO e VIDIGAL, 2015). Essa postura intolerante ao legado imperial do Brasil impulsionou o centro de poder no Rio de Janeiro a abandonar os progressos alcançados pela fase imperial e a formular novos caminhos para a política externa da república.

Nessa conjuntura, o federalismo defendido pelos Republicanos não significou, na realidade, quase nada internamente (COSTA, 2016, p.105). Por outro lado, instaurou-se um processo de alinhamento com diversas nações americanas, sob a lógica do discurso: “Somos da América e queremos ser americanos”, fato que era fortemente defendido pelos republicanos, que vinham difundindo essas ideias desde o Manifesto de Itú, em 1870, que marcou os primeiros passos do que viria a se tornar uma ação internacional pautada em um ideário republicano (DORATIOTO e VIDIGAL, 2015; PEREIRA, 2005).

A partir da dinâmica republicana, “nascia uma visão estreita dos relacionamentos continentais que tendia a se basear no princípio de solidariedade a partir da similaridade institucional” (PEREIRA, 2005). Sob esse viés, o país, que antes era admirado pela estabilidade diplomática do Império, passa a adotar uma política ingenuamente fraterna com as repúblicas americanas, que viria a gerar grande descontentamento interno, por parte dos intelectuais e dos políticos brasileiros, sobre a resolução de conflitos territoriais (DORATIOTO e VIDIGAL, 2015).

Vale ressaltar ainda que a incapacidade do governo federal de assegurar a ordem interna e sustentar a estabilidade econômica, gerou grande desconfiança acerca da ordem política e institucional nos anos iniciais da República, sobretudo por parte das chancelarias de determinados países europeus instaladas na capital federal (DE LIMA, 2013). As disputas territoriais em ralação ao território litigioso de Palmas, por exemplo, surgiram após o abandono do critério de uti possidetis (que institui a posse pela ocupação), utilizado na época imperial, mas que fora rejeitado pelo Governo Republicano de Deodoro da Fonseca, gerando fortes divergências entre Brasil e Argentina acerca do domínio e do estabelecimento das fronteiras nessa região (DORATIOTO e VIDIGAL, 2015).

A decisão sobre a posse desse território ficou a cargo de um árbitro estrangeiro, o Presidente dos Estados Unidos. Com isso, para realizar a defesa do Brasil em Washington, já no governo do Presidente Floriano Peixoto, foi designado o Barão do Rio Branco, que estava à frente do consulado brasileiro em Liverpool, na Inglaterra. A vitória inequívoca da equipe diplomática brasileira, devido a uma defesa documental dos direitos brasileiros feita por Rio Branco, marcaria o início de um aumento exponencial do capital diplomático brasileiro e uma grande aproximação aos Estados Unidos.

Segundo o pesquisador Rodrigo Jorge de Lima: “No contexto brasileiro, o envolvimento cada vez maior da dinâmica da economia agroexportadora com os mercados financeiros internacionais expõe a necessidade crescente do financiamento para compensação da instabilidade da receita comercial” (DE LIMA, 2013). Assim, em janeiro de 1891, foi firmado um tratado de reciprocidade entre Brasil e Estados Unidos, prevendo a criação de uma união aduaneira, que facilitaria a chegada do açúcar nordestino aos mercados norte-americanos.

Essa aproximação demonstra o enorme desejo das autoridades brasileiras em fortalecer os laços de cooperação com a ex-colônia britânica, visto que vieram a rejeitar acordos semelhantes com países europeus. Por outro lado, o governo de Floriano buscou estabelecer uma retomada da política do período imperial, preocupando-se em limitar a influência argentina na bacia do Rio da Prata, inclusive pelo financiamento de um golpe de Estado no Paraguai, com a finalidade de impedir uma união entre argentinos e paraguaios.

Outra grande vitória da diplomacia republicana do Brasil, já no governo Prudente de Moraes, foi a disputa mediada por Portugal em 1895, entre o Brasil e a Grã- Bretanha, sobre a posse da Ilha de Trindade, que terminou com o reconhecimento da soberania do Brasil sobre a porção de terra. Além disso, tivemos a resistência brasileira contra a pretensão francesa de estender o território da Guiana até o Rio Amazonas, disputa que foi arbitrada pelo Presidente da Suíça, e que novamente demonstrou a genialidade diplomática do Barão do Rio Branco, sendo a decisão do árbitro inteiramente favorável ao Brasil (DORATIOTO e VIDIGAL, 2015).

Portanto, as mudanças radicais ocorridas nas diretrizes da Política Externa Brasileira, após o golpe militar que instaurou a república, foram extremamente importantes, apesar de suas sucessivas crises, para a consolidação do papel diplomático brasileiro em relação ao mundo. As vitórias associadas a soberania territorial conquistadas nesse período, ecoam até os dias atuais, sendo cada uma delas um marco de uma diplomacia ativa e altiva, que consolidaram personagens históricos, em especial o Barão do Rio Branco, como uma figura extremamente contundente e pragmática, que foi peça crucial para a formação do capital diplomático desta nação, nos anos posteriores.

Referências

COSTA, Marcos. A história do Brasil para quem tem pressa. Rio de Janeiro: Valentina, 2016.

DORATIOTO, Francisco; VIDIGAL, Carlos Eduardo. História das Relações Internacionais do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

DE LIMA, Rodrigo Jorge. Política Externa Brasileira em Tempos de Transformação: modernização e inserção internacional (1889-1912). São Paulo, 2013.

PEREIRA, Paulo José dos Reis. A política externa da Primeira República e os estados Unidos: Atuação de Joaquim Nabuco em Washington (1905-1910). Revista Brasileira de Política Internacional, 2005.