Matheus Salomão Homci – Acadêmico do 8º semestre de Relações Internacionais da UNAMA

Em 2016, o Reino Unido votou para deixar a União Europeia, entretanto, só deixou oficialmente o bloco em 31 de janeiro de 2020, um pouco antes do mundo começar a sofrer as consequências da pandemia de covid-19, o que levou ambas as partes a concordarem em manter as negociações do novo acordo comercial até 31 de dezembro de 2020 (BBC, 2021).

Por conta disso, a ideia de uma União Europeia e a cooperação entre os Estados participantes, que estava em processo de consolidação, floresceu mais quando o debate em torno de uma interdependência ganhou força quando os neoliberais Joseph Nye e Robert Keohane (1977) escreveram sobre o tema, eles defendiam que os processos transnacionais estavam mudando a forma do SI. Isto é, o crescimento do comércio internacional, o avanço na tecnologia de comunicação, o surgimento e atuação de empresas multinacionais, além de trocas culturais entre as populações dos países.

Ademais, seguindo as origens do pensamento liberal, a confiança em instituições internacionais é de extrema relevância para a existência das próprias instituições. Além disso, não apenas confiar na existência delas, mas sim que essas organizações irão ajudar na redução de conflitos e mudar o Status Quo. Portanto, os teóricos de entendimento liberal procuram formas de cessar as guerras e investir na cooperação, seja por organizações internacionais como a ONU, seja em âmbitos supranacionais como a União Europeia.

Entretanto, os últimos dois anos têm sido atípicos para a população do Reino Unido, depois de anos de certa estabilidade, é observado problemas na cadeia de suprimentos, algo que expõe a real escassez de caminhoneiros e em decorrência disto, escassez de diversos produtos, inclusive a recente falta de abastecimento de gasolina.

Por conta disso, essa foi considerada a primeira crise pós-Brexit que não foi ofuscada pelos efeitos da pandemia, o que levou o primeiro-ministro britânico Boris Johnson a liberar vistos de três meses para que motoristas de outros países entrem para abastecer os postos. Isso se tornou necessário, pois, com a saída do Reino Unido (RU) do bloco comercial europeu, ficaram muitas brechas alfandegárias e consequentemente sobram dificuldades para atualização ou geração de vistos, além de muitas empresas relatando taxas extras sobre exportação e importação, o que impactou diretamente na balança comercial do RU.

Outrossim, a ideia de uma “unificação” europeia é mais antiga do que muitos pensam, as sementes foram plantadas no começo do século XVIII com Saint-Pierre, que defendia uma comunidade europeia com um sistema tributário equitativo, educação pública, e entre outros (SAINT-PIERRE, 1713) Então, o tema voltaria a ser discutido após um momento de extrema instabilidade política e econômica, que eclodiu na segunda guerra mundial. Ou seja, assim como os neorrealistas afirmam que o SI é anárquico, para os neoliberais não é diferente, o que muda é a forma como os Estados se relacionam dentro desse sistema.

Dessa forma, Keohane e Nye definiram essa relação como interdependência complexa que, entre outros fatores, prezava por organizações internacionais, além de outros canais de comunicação; diversidade de atores e uma agenda múltipla, de modo que a fronteira entre o doméstico e o internacional se tornaria difícil de ser percebida. Esse era, basicamente, o retrato que se tinha da União Europeia antes do Brexit e, por conta disso, a utilidade da força, do chamado Hard Power, se tornaria dispensável.

Portanto, quando fala-se de interdependência, os teóricos acertam em cheio, pelo menos quando ilumina-se as consequências que o Brexit vem causando ao Reino Unido, como o desabastecimento de diversos produtos, dificuldade na locomoção de pessoas, redução de trabalhadores sazonais, quedas na exportação e importação, problemas que não existiam quando a cooperação era o cerne principal da discussão, tudo isso, para “recuperar” o rumo do próprio país, fato questionável e que entra no jogo de que ganhos relativos são mais importantes que ganhos absolutos. A crescente nacionalista ao redor do mundo começa a dar seus frutos, podres ou não, devem ser discutidos, pois só discutindo podem-se encontrar ideias em comum que os façam cooperar.

REFERÊNCIAS

BBC .Brexit: 3 efeitos da saída da União Europeia que os britânicos já sentem. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57057331>. Acesso em: 01/11/2021.

BBC .Impacto do Brexti na economia ‘pior que Covid’ .Disponível em: <https://www.bbc.com/news/business-59070020>. Acesso em: 03/11/2021.

GEBRICS. O Soft Power Anti-BRICS: Reflexões sobre seu fortalecimento. Disponível em:<https://sites.usp.br/gebrics/o-soft-power-anti-brics-reflexoes-sobre-seu-fortalecimento/&gt;. Acesso em: 02/11/2021.

KEOHANE, R. O.; NYE, J. Power and Interdependence: World Politics in Transition. Boston: Little, Brown and company, 1977.

LANDLER, Mark; The New York Times, O Estado de S. Paulo. Efeitos do Brexit no Reino Unido se acentuam após controle da pandemia.Disponível em: <https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,efeitos-do-brexit-no-reino-unido-se-acentuam-apos-controle-da-pandemia,70003854519#:~:text=%E2%80%9CVoc%C3%AA%20repentinamente%20reduziu%20seu%20mercado,tiveram%20tempo%20de%20se%20ajustar.%E2%80%9D&text=Esta%20n%C3%A3o%20%C3%A9%20a%20primeira,o%20mercado%20%C3%BAnico%20em%202020>.  Acesso em: 01/11/2021.

NOGUEIRA, João; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais. pág. 57 a 95. Elsevier, 2005.

SANDFORD, Alasdair. 100 dias depois, que impacto o Brexit teve no comércio entre o Reino Unido e a UE? Disponível em:<https://www.euronews.com/2021/03/31/brexit-three-months-on-uk-eu-trade-trouble-deeper-than-teething-problems-say-producers>. Acesso em: 02/11/2021.