Maria Bethânia Galvão (acadêmica do 4º semestre de RI da UNAMA)

Keity Oliveira (acadêmica do 2º semestre de RI da UNAMA)

A discussão sobre a maneira pela qual o Governo Federal vem lidando com as questões referentes aos povos indígenas repercute em plano internacional, principalmente em face dos dados coletados pelos organismos, assim como pelo número de denúncias sobre a temática indígena feita por membros da sociedade civil internacional. Sobre essa problemática, cabe relacionar a prática da necropolítica à administração política e problematiza-la. Sob esse contexto, o conceito de necropolítica foi cunhado pelo filósofo, teórico político e historiador camaronês Achille Mbembe, tendo-se baseado nas ideias de biopoder e biopolítica de Michael Foucault.

Nesse cenário, para o autor Mbembe (2016), dentro do sistema internacional contemporâneo, há diversas estruturas que possuem objetivo de provocar a destruição de determinados grupos, sendo sujeitas ao poder da morte, onde dentro de um Estado, existe-se o poderio de ditar quem poderia viver e quem deveria morrer. Nesse sentido, esse poderio seria realizado com base em valores considerados morais e culturais, obstinados ao extermínio da diferença. Diante o pensamento do autor, destaca-se que em sociedades que são configuradas com o sistema neoliberal, estes valores são vistos por meio de hierarquias, códigos normativos e assimetrias que se transformam no cerne de projetos de dominação (Rodrigues e Pinheiro, 2019).

Segundo o professor Eduardo Mei, em entrevista para o IHU Unisinos (2020) “o acúmulo do capital e o neoliberalismo favorecem o caráter necropolítico de um país formado sob o impacto da conquista colonial e da escravidão” como o Brasil. Nessa lógica, tendo em vista a acumulação desenfreada do capital, principalmente do agronegócio em áreas ambientais e de povos originários e as políticas promovidas pelo governo brasileiro, nas palavras de Mei, o caráter necropolítico seria uma reminiscência “como um cadáver vivo constitutivo do nosso cotidiano” contra os povos indígenas, os negros, quilombolas e as populações mais pobres. Nessa perspectiva, faz-se necessário analisar a comunidade indígena Yanomami dentro dessa conjectura.

A terra indígena (TI) Yanomami é considerada como a maior reserva indígena do Brasil, abrangendo os estados de Roraima e do Amazonas, tendo quase 10 milhões de hectares e que é o lar de cerca de 27 mil indígenas (Le Tourneau & Albert, 2010). Desde a década de 1980, a região é alvo do garimpo ilegal de ouro, sendo que durante os últimos anos, essa busca foi intensificada de forma desenfreada, causando conflitos armados, a degradação das florestas e diversas mortes dentro da etnia.

De acordo com a Hutukara Associação Yanomami, o garimpo ilegal na TI já destruiu mais de 3 mil hectares de área de floresta, tendo-se um aumento de 44% somente na região do Parima (Correio Braziliense, 2021). Estima-se que mais de 20 mil garimpeiros se encontram nos territórios indígenas Yanomami, sem qualquer tipo de controle ou monitoramento de proteção territorial (Agência Brasil, 2021). Através da demanda de organizações empresariais, que possuem um investimento financeiro alto, a atividade garimpeira está assumindo um caráter semelhante á mineração de médio porte e que para alcançar as suas metas, potencializa ainda mais os impactos sob o meio ambiente e as vidas humanas presentes (Poder 360, 2021).

Nessa conjectura, volta-se para o conceito de necropolítica, que se desenvolve por meio das posturas adotadas pelo governo em relação a esses povos, que ocorre desde a colonização feita no país e que através dos últimos anos, foi ainda mais alavancada por meio da exploração/dominação e do ecocídio (crime de destruição em massa ambiental) dentro desses territórios. Logo, por meio da expansão dessas atividades com o aporte do Estado, observa-se a definição de Mbembe sobre quem deveria viver e quem deveria morrer através de um controle social.

Portanto, se observa que o governo brasileiro permite que atividades exploratórias e ilegais persistam no território brasileiro, por meio de políticas e projetos que deslegitimam a proteção das TI. Sobre isso, justifica-se as medidas adotadas pelo Governo Federal acerca da necropolítica, sustentada em medidas de negligência aos povos indígenas, como também no fortalecimento de atividades que ameaçam a sobrevivência desses povos, pois o aumento da atividade garimpeira ilegal na Terra Indígena Yanomani está refletindo em mais insegurança, violência, doenças e morte para os Yanomami e Ye’kwana (CORREIO BRAZILIENSE, 2021), agindo de maneira contrária à Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, a qual garante a dignidade ao povos tradicionais por parte do Estado.

Diante do que foi expressado ao longo do texto, o ensaio de MBEMBE (2016) dialoga com o tema exposto onde pressupõe que a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer, ou seja, a necropolítica.

Ressalta-se também o trabalho feito pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE), criado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, registrado na base do Diretório Geral de Grupos de Pesquisas do CNPq desde 1996. O núcleo visa o agrupamento de pesquisadores da etnicidade, dentro de uma perspectiva interdisciplinar tendo como principal objetivo a coordenação de um fórum de debates, grupos de estudos e pesquisas sobre temas como identidade, etnicidade e das relações interétnicas como um fenômeno-processo social, dando ênfase nas questões sócio-política de povos etnicamente diferenciados.

Para mais informações, acesse: < https://www.ufpe.br/nepe >

Instagram do NEPE: < https://www.instagram.com/remdipe/ >

Facebook do NEPE: < https://www.facebook.com/etnicidade/ >

Por fim, o trabalho do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) é de suma importância pois através de pesquisas e mobilizações, luta para que as comunidades indígenas isoladas sejam protegidas e impedidas de serem dizimadas com invasões e explorações em seus territórios.

Para mais informações, acesse: < https://povosisolados.com/ >

Instagram do OPI: < https://www.instagram.com/opi.isolados/ >

REFERÊNCIAS

Agência Brasil – Indígenas denunciam mais um ataque de garimpeiros em terra Yanomami. Publicado em: 20 de maio de 2021. Disponível em: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-05/indigenas-denunciam-mais-um-ataque-de-garimpeiros-em-terra-yanomami > Acesso em: 06 de novembro de 2021.

MBEMBE, Achille. Necropolítica*, biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Arte & Ensaios. Rio de Janeiro, v. [S.I], n. 32, p. 122-151, 2016. Disponível em: < https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169 > Acesso em: 05 de novembro de 2021.

Correio Braziliense – Criança Yanomami é encontrada morta após desaparecer em área de garimpo. Publicado em: 14 de outubro de 2021. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/10/4955393-crianca-yanomami-e-encontrada-morta-apos-desaparecer-em-area-de-garimpo.html > Acesso em: 06 de novembro de 2021.

El País – Bolsonaro anuncia projeto que permite garimpo em área indígena e sugere confinar ambientalistas. Publicado em: 05 de fevereiro de 2020. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2020-02-05/bolsonaro-anuncia-projeto-que-permite-garimpo-em-area-indigena-e-sugere-confinar-ambientalistas.html > Acesso em: 06 de novembro de 2021.

IHU Unisinos – A necropolítica brasileira e sua origem na guerra colonizadora. Entrevista especial com Eduardo Mei. Publicado em: 18 de junho de 2020. Disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/600046-a-necropolitica-brasileira-e-sua-origem-na-guerra-colonizadora-entrevista-especial-com-eduardo-mei > Acesso em: 06 de novembro de 2021.

LE TOURNEAU, François-Michel; ALBERT, Bruce. Homoxi (1989-2004): o impacto ambiental das atividades garimpeiras na terra indígena yanomami (roraima). 2010. Disponível em: < https://www.researchgate.net/profile/Bruce-Albert-3/publication/49134218_Homoxi_1989-2004_o_impacto_ambiental_das_atividades_garimpeiras_na_terra_indigena_yanomami_Roraima/links/56420dd308aebaaea1f8b50c/Homoxi-1989-2004-o-impacto-ambiental-das-atividades-garimpeiras-na-terra-indigena-yanomami-Roraima.pdf > Acesso em: 06 de novembro de 2021.

Poder 360 – Garimpo ilegal dispara em terra indígena Yanomami onde duas crianças morreram. Publicado em: 18 de outubro de 2021. Disponível em: < https://www.poder360.com.br/brasil/garimpo-ilegal-dispara-em-terra-indigena-yanomami-onde-duas-criancas-morreram/ > Acesso em: 06 de novembro de 2021.

RODRIGUES, Hanna Cláudia Freitas; PINHEIRO, Jonas de Jesus. A necropolítica neoliberal de encontro ao nomadismo: uma corpografia dos povos errantes na Bahia, no contexto do bolsonarismo no Brasil. Revista Extraprensa, v. 13, n. 1, p. 241-261, 2019. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/163215 > Acesso em: 05 de novembro de 2021.