
Maria Bethânia Galvão (acadêmica do 4º semestre de RI da UNAMA)
Keity Oliveira (acadêmica do 2º semestre de RI da UNAMA)
A questão da fome na região amazônica é uma problemática amplamente discutida em nível nacional e internacional, em razão de seu notório crescimento hodierno, decorrente de diversas variantes, como a questão fundiária, problemática essa que assola o território brasileiro estruturalmente, contudo sem políticas e propostas de resolução eficientes. Sobre isso, a segurança alimentar é uma situação da qual é possível que todas as pessoas, em todos os momentos, alcancem o acesso físico e econômico a alimentos suficientes, seguros, e nutritivos, que possam atender às suas necessidades alimentares e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável (FAO, 1996 apud Almeida, 2019).
Nesse sentido, de acordo com pesquisa feita pelo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, em 2020, de um total de 211,7 milhões de pessoas, 116,8 milhões conviviam com algum determinado grau de insegurança alimentar (ou seja, a incerteza de acesso aos alimentos) e, destes, 43,4 milhões não contavam com alimentos suficientes para atender suas necessidades (VIGISAN, 2021). Além disso, a pesquisa também mostrou que 19 milhões de brasileiros enfrentavam a fome, sem qualquer perspectiva de melhora ou de conseguir acesso aos alimentos. A fome no Brasil, que já estava em crescimento desde a última década, acabou sendo agravada por conta da pandemia mundial da COVID-19 e mostrou as macabras engrenagens que permeiam a fome na Amazônia.
Ainda segundo a pesquisa feita pela VIGISAN (2021), a insegurança alimentar grave cresceu em todo o país, porém, as desigualdades regionais seguem acentuadas tendo o Nordeste e Norte como as mais afetadas pela fome. As populações rurais dessas regiões, sejam elas agricultores familiares, ribeirinhos, quilombos e indígenas, que já possuem uma elevada condição de pobreza, também fazem parte do índice nas condições de insegurança alimentar grave, apresentando uma taxa de 12% dos domicílios.
Para Almeida (2021), a fome na Amazônia é invisível, pois muitas pessoas acham que não há ausência de alimentos disponíveis para as comunidades, em detrimento da grande biodiversidade que os cerca, evidenciando-se que os municípios mais pobres se encontram na Amazônia, expondo os diferentes níveis de pobreza que assolam a região e é invisibilizada, pois não há pesquisas ou dados suficientes sobre alimentação na região.
Nesse viés, de acordo com o pesquisador e coordenador da rede Penssan, Renato Maluf, a agropecuária exportadora concentra boa parte das terras, gerando impactos sociais e ambientais, sendo um modelo que não tem perspectivas de alimentar pessoas e sim, transformar esses recursos em um grande negócio global. Assim, a fome no Brasil não é resultado da ausência de produção de alimentos e sim, na falta de acesso a eles, onde há uma produção suficiente de alimentos para alimentar uma população inteira, mas que por conta do modelo de sistema alimentar dominante, torna-se uma questão de desumanização que implica no mal da fome (Almeida, 2019).
Um dos motivos para o atual cenário de insegurança alimentar se dá por meio da diminuição de aporte financeiro para estimular a agricultura familiar, que é responsável pela maior taxa de produção de alimentos dentro do âmbito interno do país (Almeida, 2019). Logo, com a diminuição de investimentos nessa área, por parte do governo federal, a disponibilidade de alimentos para a população brasileira é diminuída e consequentemente, têm-se o aumento de investimentos no agronegócio e que por meio dele, consolida uma lógica de produção de alimentos voltada para o lucro, sendo negociados e vendidos no mercado internacional de commodities por parte das corporações transnacionais.
No sistema internacional contemporâneo, as corporações transnacionais são o principal vetor de poder mundial e conforme Dowbor (2017), apresentam três vias que influenciam as dinâmicas no mundo: o viés econômico, possuindo um imenso fluxo de recursos, maior do que o PIB de alguns países, o viés político, onde há a apropriação de grandes partes dos aparelhos de Estado e por fim, o viés cultural, pois a mídia de massa cria uma cultura de consumo e dinâmicas comportamentais que variam de acordo com seus interesses. Nesse sentido, a obtenção de lucratividade por parte dessas grandes empresas, contribui para a alocação de alimentos, onde as mesmas dominam a produção, distribuição e consumo (Dowbor, 2017 apud Almeida, 2019).
O papel dessas empresas aumenta ainda mais com o Neoliberalismo, sendo possível observar as políticas do governo Bolsonaro, baseadas nesse modelo econômico, assim como o grau de influência dessas e do agronegócio. Em um contexto de crise, defender a lógica neoliberal de diminuir a participação do Estado na economia, significa agir de forma negligente com milhões de brasileiros que estão em situação de insegurança alimentar grave (Sampaio, 2021).
Em conclusão, se percebe que a insegurança alimentar não é apenas um fator de produção de alimentos na região. A produção agrícola, em sua grande parte, está voltada para culturas de alimentos que não são importantes para a segurança alimentar, como a monocultura de soja. Isso decorre dos sistemas de posse e uso da terra, de leis e políticas que favoreçam a insegurança alimentar da população, enquanto se aliam ao sistema de mercado, demanda interna e global.
Diante o exposto no texto, alguns estudos dialogam com o tema como o de ALMEIDA (2019) que analisa a soberania alimentar como forma de resistência ao poder que as corporações transnacionais exercem no âmbito da governança global da segurança alimentar, configurada como governamentalidade global.
Outro estudo expressivo é o de CASTRO (1946) que por meio de sua obra “Geografia da Fome”, faz um mapeamento de toda a distribuição e concentração da fome no Brasil, mostrando que a questão da fome se trata da má distribuição das riquezas e dos produtos e não da escassez deles em termos quantitativos.
Por fim, cabe-se destacar o trabalho do Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica da Universidade de Brasília (NEA-UNB) que por meio do ensino, pesquisa e extensão, estimula a construção de espaços de conhecimento agroecológico e que mobilizam interações entre agricultura de base ecológica e a sociobiodiversidade nos territórios. Para mais informações, acesse o site: < http://www.nea.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5&Itemid=592 >
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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Mário Tito Barros. A dinâmica eco-geopolítica da fome e as relações de poder na governança global da segurança alimentar: a soberania alimentar como resistência. 2019. 305 p. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) Universidade de Brasília, Brasília – DF. Disponível em: < https://repositorio.unb.br/handle/10482/39367 > Acesso em: 31 de outubro de 2021.
ALMEIDA, Mário Tito Barros. Instituto Humanitas Unisinos, 2021 – Fome na Amazônia: ela é rica, mas não produz riqueza; produz ricos. Entrevista especial com Mário Tito Barros Almeida. Disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/610695-fome-na-amazonia-ela-e-rica-mas-nao-produz-riqueza-produz-ricos-entrevista-especial-com-mario-tito-barros-almeida > Acesso em: 31 de outubro de 2021.
CASTRO, JOSUÉ. Geografia da Fome. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1946.
DOWBOR, Ladislau. A era do Capital Improdutivo. São Paulo: Autonomia Literária, 2017. Acesso em: 31 de outubro de 2021.
FAO. Rome Declaration on World Food Security. 1996. Disponível em: < http://healthydocuments.org/nutrition/healthydocuments-doc32.pdf > Acesso em: 31 de outubro de 2021.
SAMPAIO, Luiz Orlando. Fome no Brasil: uma questão de economia política. Site Internacional da Amazônia. Publicado em: 26 de maio de 2021. Disponível em: < https://internacionaldaamazonia.com/2021/05/26/fome-no-brasil-uma-questao-de-economia-politica/ > Acesso em: 31 de outubro de 2021.
VIGISAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil, 2021. Disponível em: < http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf > Acesso em: 31 de outubro de 2021.