
Maria Eduarda Diniz – acadêmica do 8° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
Em menos de duas semanas, acontecerá um dos eventos climáticos considerados de maior importância deste século: a COP 26. Como parte das discussões, um projeto ambicioso foi aprovado recentemente pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU: a Resolução 48/13, que reconhece que “ter um meio ambiente limpo, saudável e sustentável é um direito humano”. Com isso, a ONU exorta todas as nações da Terra a trabalharem juntas pela implementação deste direito recém-reconhecido.
É importante salientar que, assim como nas demais discussões internacionais, o reconhecimento da importância do meio ambiente dentro do direito internacional ainda é algo relativamente recente. Até o final dos anos de 1960, o meio ambiente não integrava a agenda de assuntos debatidos no âmbito internacional pelas nações, isso porque ele ainda não era considerado um bem de tutela globalizada (TURNER, 2014, p. 22-23). Nesse sentido, ainda não havia uma consciência concreta da dimensão que os problemas ambientais poderiam causar ao mundo.
O direito internacional ambiental começa a surgir como parte de um processo de expansão do direito internacional moderno, que não trata apenas de fronteiras (e questões de soberania estatal), como acontecia no direito internacional clássico, mas também de problemas globais, inerentes a todos, parte de um processo de globalização jurídica.
Assim, é só a partir de 1970 que a visão da sociedade internacional começou a mudar sobre o tratamento conferido ao direito ambiental em nível internacional diante do cenário de acidentes ambientais. Desse modo, a origem do direito ambiental é associada à legislação de proteção dos ecossistemas e a uma forma de barreira da nocividade da sociedade de consumo.
A partir dessa exposição, é imperativo analisar como esse problema global envolve toda uma evolução da capacidade de comunicação entre o direito internacional e o direito interno. Pode-se dizer que, até antes dos anos 70, do século XX, o Direito Interno e o Direito Internacional não se envolviam tanto, para as Relações Internacionais, o que significa que aquele campo não concedia legitimidade prática a atuação do Direito Internacional e isso só vem a mudar quando novas teorias demonstram que, com a mudança de eixo de poder dos Estados para outros sujeitos do sistema internacional, não só o Direito Internacional tem praticidade sim, como também precisa aumentar e se tornar mais um Direito Global.
Crimes transnacionais representam o quanto as fronteiras geográficas, jurídicas, sociológicas e econômicas foram ultrapassadas. KOH (2006) aponta que a lei transnacional é um híbrido da lei nacional e internacional e que assume uma variedade de formas no cenário contemporâneo, tornando-se cada vez mais presente na vida cotidiana.
Essa nova relação se qualifica numa transnormatividade que, para MENEZES (2007), leva a construção de um direito transnacional que se revitaliza nos dias de hoje à medida que os mecanismos de interação entre o Direito Internacional e o Direito Interno se ampliam e aumentam essa relação transnormativa que repercute os efeitos de um sistema jurídico sobre o outro.
Nas Relações Internacionais, pode-se dialogar com esse entendimento da globalidade e transnormatividade a teoria da interdependência complexa, mas com algumas ressalvas. Conforme Nye a interdependência refere-se a “situações nas quais os protagonistas ou os acontecimentos em diferentes partes de um sistema afetam-se mutuamente” (NYE JR., 2009, p. 250-251). Porém, aqui, a interdependência ainda significava dependência mútua entre os estados.
O que acontece com o meio ambiente é que sua seara acaba afetando não só questões estatais, mas civis e empresariais também, tornando-se realmente um problema global. Não é à toa que eventos como o Earthshot Prize e a própria COP 26 contam com a participação de ativistas, por exemplo, agentes da sociedade civil, além de chefes de estado e de governo.
Voltando ao fato de que, agora, um meio ambiente sadio é entendido como direito humano e possui uma seara autônoma do direito internacional, algo que se discute muito é sobre o chamado crime de “ecocídio”, um reconhecimento de um problema global que passaria a ser cuidado pelo Tribunal Penal Internacional. Em 2016, a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional publicou seu Policy Paper on Case Selection, feito para delimitar as diretrizes para as investigações e, entre elas, nas “maneiras de agir” dos crimes, será observado o dano ao meio ambiente como uma qualificadora do crime. Porém, isso não significa que já é passivo o entendimento de que o ecocídio é um crime contra a humanidade.
Há um movimento recente de tornar o ecocídio o 5° crime passível de julgamento no Tribunal, ao lado de crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e crime de agressão, todos previstos no Estatuto de Roma. Organizações, como a Stop Ecocide Foundation, buscam oferecer referência jurídica que permita a inclusão do ecocídio entre as violações passíveis de condenação judicial internacional. Para isso, juristas até geraram uma definição para esse crime, sendo agora entendido como um “ato ilegal ou arbitrário cometido com o conhecimento de que há uma probabilidade substancial de danos ambientais graves e generalizados ou de longo prazo causados por ele”.
Nesse sentido, ocorrida toda essa evolução da globalização jurídica e da adoção de alguns conceitos no cenário internacional, tais como o res communis, que acabaram por promover o reconhecimento do meio ambiente como interesse concernente à toda humanidade, além de demonstrar que os desafios que envolvem o meio ambiente e os desastres ambientais devem ser abordados em conjunto pela comunidade internacional. O avanço cada vez maior da transnormatividade do Direito Internacional para um Direito Global, que poderia ser visto no reconhecimento do ecocídio, por exemplo, demonstra o grau de importância com que esse debate se encaixa nas discussões internacionais.
Portanto, o meio ambiente é uma questão de interdependência complexa, logo questões como “aquecimento global” e “derretimento das calotas polares” ou “poluição dos rios” passam a ser vistos como uma preocupação maior e cada vez mais comum da sociedade global, e com uma necessidade de regularização cada vez mais necessária, visto que atinge diretamente o bem-estar de todos os seres humanos.
REFERÊNCIAS
INTERNATIONAL CRIMINAL COURT. Office of the Prosecutor. Policy Paper on Case Selection and Prioritisation, 15 set. 2016. Disponível em: <https://www.icc-cpi.int/itemsDocuments/20160915_OTP-Policy_Case-Selection_Eng.pdf> . Acesso em: 18 de outubro de 2021.
KLEE, Paloma Marita Cavol; ZAMBIASI, Vinícius Wilder. O Julgamento De Crimes Ambientais Pelo Tribunal Penal Internacional. Revista Direito e Liberdade; v. 20, n. 1, p. 141-177, jan./abr. 2018.
KOH, Harold Hongju. Why Transnational Law Matters. Penn State International Law Review, 2006.
MENEZES, Wagner. O Direito Internacional contemporâneo e a teoria da transnormatividade. Pensar, Fortaleza, 2007.
NYE JR., Joseph S. Cooperação e conflito nas relações internacionais. São Paulo: Editora Gente, 2009.
TURNER, S. J. A Global Environmental Right. Londres, Nova York: Routledge, 2014.