
Alana Andrade – acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais da Unama.
Nas últimas semanas o mundo assistiu a explosão dos chamados “Pandora Papers”, um relatório divulgado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que vazou informações sigilosas, as quais revelavam o envolvimento de Chefes de Estado e outras figuras políticas com o sistema de offshores (ICIJ, 2021), comoo rei da Jordânia, os presidentes da Ucrânia, Quênia e Equador, além do “ministro não oficial da propaganda” do governo de Vladimir Putin na Rússia.
Esse sistema envolve a criação de empresas ou obtenção de bens fora de seu país de origem. Na tradução, off significa fora e shore, costa, logo, algo aproximado a “fora do país”, onde geralmente os lugares conhecidos como “paraísos fiscais” são escolhidos como destino, devido a sua baixa tributação nos bens lá declarados e pouca transparência nas informações das empresas que encontram domicílio nestes locais (CNN, 2021)
Dentro das Relações Internacionais, a economia política internacional é uma área que conjuga as relações de poder político e econômico, constatando a influência mútua entre ambos (GONÇALVES, 2005). Sob esse viés, riqueza e poder contrastam entre si revelando interesses que vão além da sua esfera, na qual atores de poder político se utilizam da capacidade econômica para aumentar seu próprio poder, e atores que atuam dentro do mercado se aproveitam do poder político para atingir seus objetivos.
Nesse contexto, o sistema capitalista opera de forma desigual, no qual aqueles que detém mais dinheiro são capazes de mudar as regras do jogo a seu favor (STRANGE, 1997). Não obstante, o mercado financeiro expõe essa realidade mais drasticamente, onde possuir poder aquisitivo é tornar possível que as regras de probabilidade na aposta sempre estejam garantindo lucratividade. Dessa forma, esse sistema escapa das mãos do poder democrático, tornando-se difuso e perigoso.
Nesse sentido, o escândalo das offshores atinge a política brasileira quando é descoberto que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, possui uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, no valor de US$9,55 milhões aberta em 2014 (BRASIL 247, 2021). Ter uma empresa fora do seu país de origem não é ilegal, entretanto, há um conflito de interesses de acordo com o Código de Conduta da Alta Administração Federal, pois ele teria informações privilegiadas e com a cotação do dólar, o valor de seus bens triplicaria.
O ministro, quando chamado para dar explicações sobre os bens possuídos em paraísos fiscais, não compareceu junto a Câmara dos Deputados, indo para os Estados Unidos em razão da reunião anual do FMI. Entretanto, lá, chegou a responder à jornalistas locais, perguntas sobre o seu envolvimento dizendo que ao assumir o cargo de ministro, se desfez da “maior parte” dos seus investimentos direto (METROPOLES, 2021).
Dito isto, a investigação do Pandora Papers revela o envolvimento de atores políticos com atividades econômicas ilícitas em paraísos fiscais. Desse modo, a facilidade em utilizar tais contas sem a devida transparência e ausência de tributação, torna esses locais atrativos à investimentos, fora do alcance do poder democrático. Logo, há uma apropriação indevida de dinheiro sem o conhecimento das autoridades nacionais do país de origem.
Eventualmente, ao atingir a política brasileira, percebe-se que o uso do poder político pelo ministro Paulo Guedes, foi endereçado ao aumento do poder econômico do próprio, deixando claro interesses que vão além do interesse nacional como um todo. Strange (1997), exemplifica claramente que dentro do jogo capitalista, quem detém mais dinheiro pode fazer a “sorte” virar a seu favor, onde Guedes parte dessa premissa ao conseguir triplicar sua fortuna no exterior devido a alta cotação do dólar em relação ao real.
Nessa conjuntura, a relação entre política e riqueza ultrapassa o campo da economia real e se torna mais intrincada dentro da economia especulativa do mercado financeiro. Outrossim, os interesses revelados pelo relatório da ICIJ mostram algo mais difuso do que “as ações de um Chefe de Estado representam o interesse nacional” como postulado por teorias mainstream nas R.I,; deste modo, vale a pena entender a influência mútua entre estas duas esferas.
REFERÊNCIAS
BRASIL 247. Guedes viaja para os Estados Unidos e escapa de depoimento na Câmara sobre sua offshore de R$ 51 milhões. Brasil 247, 2021. Disponível em: https://www.brasil247.com/economia/guedes-viaja-para-os-estados-unidos-e-escapa-de-depoimento-na-camara-sobre-sua-offshore-de-r-51-milhoes
GONÇALVES, Reinaldo. Relações Econômicas Internacionais. In: GONÇALVES, Reinaldo. Economia Política Internacional: fundamentos teóricos e as relações internacionais do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. cap. 4, p. 95-120.
ICIJ. Offshore havens and hidden riches of world leaders and billionaires exposed in unprecedented leak. International Consortium of Investigative Journalists, 3 out. 2021. Disponível em: https://www.icij.org/investigations/pandora-papers/global-investigation-tax-havens-offshore/
MALAR, João Pedro. Paraíso fiscal, offshore: entenda os termos e suas questões jurídicas. CNN Brasil, 04 out. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/paraiso-fiscal-offshore-entenda-os-termos-e-suas-questoes-juridicas/
STRANGE, Susan. Casino capitalism. Manchester: Manchester University Press, 1997.