Matheus Oliveira – Acadêmico do 8° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

Em Belém do Pará, desde meados do século XVII, o Círio de Nazaré promove um movimento complexo que envolve, de forma tangível, pessoas, comemorações e riquezas entre o povo; assim como, imaterialmente, expressa e valoriza a cultura viva, inclusive enquanto patrimônio imaterial da humanidade.

Sobre a origem do Círio, relatam saberes populares de que a história começa em 1700 com Plácido José dos Santos, na cidade de Belém do Pará. Caboclo agricultor e caçador, foi responsável pelo achado da imagem da Santa Virgem de Nazaré (a original, com 28,5 cm de altura) que curiosamente, mesmo diante incessantes tentativas de traslados, sempre voltava ao seu lugar de morada ao fim do dia, às margens do igarapé Murutucu, onde precisamente hoje se localiza a Basílica de Nazaré.

Outrossim, o Círio de Nazaré, que este ano de 2021 ganha a alcunha de “Círio dos Povos”, é, desde 2014, declarado patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (IPHAN, S.D), sendo capaz de reunir povos de todo planeta, mesmo que virtualmente, devido a pandemia da COVID-19, em torno da fé em Santa Maria, encontrada por Plácido.

Nesse sentido, a cultura paraense perpassa o simbolismo de fraternidade, devoção e sacrifício que constituem o Círio de Nazaré. E, mesmo diante de tantas adversidades, o Círio sobrevive em 2021 para encher os corações dos fiéis. Pessoas de diferentes localidades carregam sua fé para comungar, em Belém do Pará, de crença e devoção perante a Virgem Maria.

Atualmente, o evento é realizado com programação híbrida, virtual e presencialmente, ocorrendo no segundo domingo de outubro e seguindo com programação para diversos segmentos da cultura paraense, com festejos que antecedem o Círio, como a “Festa da Chiquita”, a missa de abertura oficial da celebração, que ocorre na Basílica de N. Srª. de Nazaré, assim como a visita da imagem por toda a grande Belém e Ananindeua.

Nesse sentido, é possível assimilar, segundo Andrew Linklater (1998), que expressões culturais como Círio de Nazaré são importantes para a geração de solidariedade e responsabilidade moral de todos para com todos, sendo então, manifestação viva dos preceitos da cidadania e bem comum para uma sociedade mais digna, refletindo, nas relações humanas, uma compaixão única do indivíduo pelo coletivo. Portanto, enxerga-se, no Círio dos Povos, a espiritualidade; coletividade e a igreja como atores promotores de um momento de compaixão partilhado por muitos, na cidade das mangueiras.

Em um aspecto mais profundo, Andrew Linklater (1998), teórico crítico de vertente cosmopolita, que apresenta em seus escritos o ideal de sociedade onde a empatia coletiva e natural entre pessoas é capaz de fornecer o suficiente para a garantia da dignidade humana e respeito de direitos básicos a todos, pode ser usado para referenciar esse momento de fé cristã. Neste círio, fica ainda mais nítido o caráter sinérgico da vida em comunidade, bem como as relações de interdependência que possuímos entre nós.

Ademais, além do calendário já conhecido, temos produções únicas nesse círio por nossa comunidade, como a Exposição “Círio – Outras Perspectivas”, realizada pela produtora local Melée Produções e Treme Filmes. Em Belém, a Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel) celebra a festa paraense com teatro, gastronomia, dança e música. O Memorial dos Povos abrirá suas portas para receber o Círio dos Povos. Também, o Palacete Bolonha reabrirá suas portas ao público para a exposição “Mantos de Rios”, com exposição que traz mantos de Nossa Senhora e barcos de madeira que outrora a transportaram pelo Pará.

Reconhecer a diversidade cultural do nosso Círio é essencial para valorização de nossa identidade, que é plural, única e unida, ainda mais após o momento de provação que passamos nesses últimos anos. Somos nós responsáveis por manter e promover a riqueza cultural de nossa história; vivenciando este círio com fraternidade e compaixão, frente a tantos desafios.

REFERÊNCIAS

IPHAN. Círio de Nossa Senhora de Nazaré – Belém (PA). S.I, Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/55

LINKLATER, Andrew. Men and Citizenry in the Theory of International Relations. London: Palgrave Macmillan, 1982.