
Amanda Araújo- Acadêmica do 4º semestre de Relações Internacionais da Unama
A epidemiologia sanitária causada pelo vírus COVID-19 impactou a vida de todos ao redor do globo. Eventualmente, orientações e medidas de prevenção contra o novo vírus foram distribuídas desde o ano passado e algumas continuam em vigência. No entanto, muitas destas medidas não levam em consideração as especificidades de pessoas com deficiência.
Aqueles que possuem impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais a longo prazo e que sofrem com essas barreiras na sua participação ativa em sociedade, tornaram-se ainda mais vulneráveis diante do vírus mortal. Sob esse viés, medidas como o isolamento social foram quase impossíveis para pessoas que precisam de cuidadores para realizar suas necessidades básicas, ou para indivíduos com aspecto autista, os quais possuem dificuldade com a mudança de rotina. Assim sendo, as próprias notificações informativas também são de difícil acesso para deficientes sensoriais, que dependem do uso de dispositivos de comunicação acessíveis, como a transcrição para o braile e libras. (PRÁXEDES, 2021)
Todavia, segundo a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência, n° 13.146, art 8, “É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à saúde” (PLANALTO. GOV, 2015). Desse modo, é dever do poder público fornecer proteção aos 6% dos brasileiros que possuem algum tipo de deficiência perante a crise epidemiológica atual.
Nesse sentido, materiais de orientação preventiva contra o coronavírus foram disponibilizados pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em formato acessível para aqueles com diversos tipos de dificuldades sensoriais (SP. GOV. BR, 2020). Assim como o Conselho Nacional de Saúde, que também alertou o Poder Executivo Federal sobre a criação de medidas protetivas para pessoas com deficiência que utilizam de residências terapêuticas. (CNS,2020).
No entanto, apesar dos alertas, conforme o período pandêmico foi se estendendo, as falhas quanto a proteção e inclusão de pessoas deficientes se evidenciaram uma vez que, com a falta de recursos hospitalares e a divisão desigual entre regiões, muitos estados brasileiros tiveram que escolher entre aqueles que deviam receber tratamento intensivo ou não (CASTRO; HOLZGREFE, 2020). Desse modo, as diretrizes emitidas para o controle de infecção por covid-19, não alcançaram as necessidades de instalação, protocolo de higiene e comunicação nas instituições para idosos (ANVISA, 2020).
Além destes, muitos serviços essenciais foram diminuídos, como a terapia de reabilitação para pessoas deficientes, as quais, sem este recurso, poderiam apresentar declínio funcional (PRVU; THOUMI; MARQUEVICH, 2020). Outrossim, até a coleta de dados a respeito dos casos de infecção não trazem informações a respeito de pessoas com deficiência.
Ademais, segundo o filósofo italiano Giogio Agamben, o “estado de exceção” é a condição extraordinária onde o soberano, em função de ameaças reais ou não, tem a liberdade de suspender direitos de quem julgar necessário, em prol de segurança ou um “bem maior”. O filósofo também traz o conceito de “Homo Sacer” – a vida nua, ou em outras palavras, sem valor, a qual pode ser assassinada sem que aquele que a matou sofra algum tipo de punição. (AGAMBEN, 2004).
Dentro do contexto das Relações Internacionais (RI), a exposição de Agamben sobre o comportamento do soberano – preferindo combater as ameaças em detrimento daqueles considerados não importantes – coincide com a ideia do paradigma realista das RI, que diz que o Estado sempre vai priorizar sua segurança (SARFATI, 2005). Entretanto, não se deve supor que essa segurança seria a de seus habitantes, mas sim a manutenção de seu status de potência dentro do sistema internacional.
Nesse contexto, analisando a situação da parcela populacional que sofre com algum tipo de deficiência, durante a pandemia, vemos que o Governo trata essas pessoas como homo sacer, vidas sem valor que podem ter seus direitos privados em prol da segurança dos classificados como vida qualificada.
Por conseguinte, a falta de dados que comprovem o cumprimento das políticas de proteção ao portador de necessidades especiais e a falta de visibilidade deste setor durante o período de crise, mostram que o Estado descumpre a própria constituição e mesmo assim permanece impune, pois se prevalece do status de soberano.
Referências
AGAMBENS, Giorgio. O Estado de Exceção. Editora Boitempo, 2004.
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Orientações para a prevenção do controle de infecções pelo novo coronavírus em instituições de longa permanência para idosos. Brasília, 2020
BRASIL, Presidência da República. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Lei n° 13.146 art 8 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm > Acesso em 01 de outubro de 2021.
CASTRO, CS; HOLZGREFE, Jr JV; REIS, RB; ANDRADE, BB; QUINTANILHA LF. COVID-19 pandemic: scenario of the Brazilian health system for coping with the crisis. 2020.
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Recomendações. Disponível em < http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1095-recomendacao-n-019-de-06-de-abril-de-2020 > Acesso em 01 de 2021.
PRAXÉDES T. B. Ana. Covid-19 e a invisibilidade de pessoas com deficiência. Fundação Osvaldo Cruz, 2020. Disponível em < https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/opiniao/covid-19-e-a-invisibilidade-das-pessoas-com-deficiencia > Acesso em 01, de outubro de 2021.
PRVU, Bettger J; THOUMI, A; MARQUEVICH, V. COVID-19: maintaining essential rehabilitation services across the care continuum. BMJ Global Health. 2020.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. 2005