Matheus Castanho Virgulino – Acadêmico do 6° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

Muitos achavam que a humilhação sofrida no Afeganistão faria com que os Estados Unidos se retraísse para a situação interna, possivelmente mudando a política em relação à Ásia para uma relação mais cautelosa com seus aliados e pontos de interesse. A nova aliança militar AUKUS (Austrália, Reino Unido e Estados Unidos) mostra exatamente o contrário.

A aliança AUKUS é o pacto militar mais geopoliticamente importante formado no século XXI, e é mais uma amostra da mudança de foco da política externa Americana para a região do Indo-Pacífico, que vem acontecendo desde a administração Obama. Sinais da aliança já ocorrem desde junho de 2020, quando o governo do primeiro ministro Scott Morrison anunciou um aumento de 40% dos gastos de defesa Australianos pelos próximos 10 anos (PACKHAM, 2020). Existem dois fatores que fazem a nova aliança diferente da lógica da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte): primeiro, é uma aliança com área de operação específica no Indo-Pacífico, e segundo, é uma aliança exclusivamente da Anglo-esfera, ou seja, os países de democracia liberal que são de cultura e tradição provindas da Inglaterra.

O pacto trilateral aborda diversas questões no campo da defesa, como cibersegurança e a estação de forças militares, mas um foco especial é dado para capacidade bélica. O ponto mais importante do acordo é a aquisição, por parte da Austrália, da tecnologia de submarinos movidos por energia nuclear (mas não armados com ogivas). Isso permite maior poderio bélico Australiano à custa do medo acerca da proliferação nuclear, motivo pela qual a Nova Zelândia não entrou no acordo. É importante notar que essa aquisição danificou fortemente as relações com a França, que tinham um contrato para a venda de submarinos movidos a diesel para o governo Australiano. O primeiro submarino nuclear Australiano é estimado para ser completado ainda nessa década.

Apesar de não ter sido mencionado explicitamente, é um consenso entre analistas internacionais que a aliança tem como objetivo frear o avanço da China na região do Indo-Pacífico, em especial sobre a corrente de ilhas que se estendem do mar do Sul da China até Taiwan e o mar do Japão, área de maior contestação entre Washington e Pequim. O crescimento da capacidade naval e assertividade Chinesa é um maior desafio para o governo Biden do que a ascensão econômica da potência Asiática. A China conta com diversas vantagens em relação à supremacia militar Estadunidense na Ásia, tais como maior quantidade de armas cinéticas (mísseis, torpedos e etc) e especialmente o fato de que suas forças estão totalmente concentradas na região, diferente das forças armadas Americanas que estão dispersas pelo mundo (MARLOW, 2021). Portanto, é imperativo para os Estados Unidos a cooperação com seus aliados, coisa que Pequim tem em falta (GROSSMAN, 2020).

Muitos vêm a formação do pacto como uma mudança de diretriz externa por parte do presidente Joe Biden, saindo do isolacionismo Jacksoniano defendido por Trump e tomando uma doutrina mais intervencionista Wilsoniana, a realidade, no entanto é mais complexa. O governo Biden retomou uma perspectiva neoliberal no sentido das relações internacionais em sua política externa, apoiando-se nos preceitos da ordem mundial capitalista e do direito internacional, que desde o final da segunda guerra mundial providenciaram as maiores forças geopolíticas para os EUA por meio do seu sistema de alianças. Como defendido por Joseph Nye e Robert Keohane, a interdependência complexa provêm da variedade de instituições e normas internacionais que dão uma medida de governança global num cenário de anarquia sistêmica (EVANS e NEWMAN, 1998). As violações, por parte da China, da liberdade de navegação no Indo-Pacífico e a tentativa de imposição de soberania em Taiwan e no mar do Sul da China são, por consequência, uma ruptura nessa governança global. Portanto, o principal objetivo do governo Biden é reconstruir a “boa fé” dos aliados Americanos na região e garantir a liberdade de navegação no Indo-Pacífico para garantir o comércio marítimo, tudo com o objetivo de competir com a tentativa Chinesa de hegemonia Asiática.

O pacto é extremamente controverso no sudeste Asiático, que no contexto pós-guerra fria por meio de seu o bloco regional ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), vêm tentado manter a centralidade econômica e estratégica da região (STRANGIO, 2021), levando em conta, especialmente, os pontos geograficamente importantes do estreito de Malaca e o mar do Sul da China para o comércio internacional. Tais objetivos tornam-se cada vez mais difíceis de serem alcançados por conta das tensões entre China e EUA, que dividiu os países do bloco e o torna cada vez mais ineficiente. Os submarinos nucleares são mais rápidos, com maior margem de manobra e possíveis de viajar longas distâncias em curto período. O fato da Austrália se juntar aos EUA e o Reino Unido na posse de tal tecnologia oferece um desestímulo para a China ampliar suas operações, mas suas capacidades bélicas são exponencialmente maiores. A crença é que a formação do pacto AUKUS levando em consideração seu papel de contenção torna uma guerra na Ásia menos provável, porém, faz com que tal guerra seja mais devastadora no caso de acontecer em razão do aumento da corrida armamentista.

Referências:

EVANS Graham, NEWMAN Jeffrey. DICTIONARY OF INTERNATIONAL RELATIONS. Londres, Penguin Books, 1998.

GROSSMAN Derek. CHINA’S FRIENDS ARE FEW AND UNRELIABLE. Nikkei Asia, 2020. Disponível em : https://asia.nikkei.com/Opinion/China-s-friends-are-few-and-unreliable Acesso em 26 de Setembro de 2021.

MARLOW Ian. WHY THE AUKUS, QUAD AND FIVE EYES PACT ANGER CHINA. Bloomberg, 2021. Disponível em : https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-09-23/why-the-aukus-quad-and-five-eyes-pacts-anger-china-quicktake Acesso em 26 de Setembro de 2021.

STRANGIO Sebastian. WHAT DOES THE NEW AUKUS ALLIANCE MEAN FOR SOUTHEAST ASIA?. The Diplomat, 2021. Disponível em : https://thediplomat.com/2021/09/what-does-the-new-aukus-alliance-mean-for-southeast-asia/ Acesso em 25 de Setembro de 2021.

PACKHAM Colin. AUSTRALIA TO SHARPLY INCREASE DEFENSE SPENDING WITH FOCUS ON INDO-PACIFIC. Reuters, 2020. Disponível em : https://www.google.com/amp/s/mobile.reuters.com/article/amp/idUSKBN242466 Acesso em 25 de Setembro de 2021.