
Maria Eduarda Frota – Acadêmica do 6° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe consigo mudanças para o cenário político internacional, tanto políticas quanto econômicas e sociais. O redirecionamento do polo de influência internacional para os Estados Unidos e União Soviética e o início da guerra fria foram responsáveis por criar um sistema bipolarizado que ditou o tom para quais seriam os desafios da sociedade contemporânea. O mundo percebeu que as guerras e os conflitos sempre existiram, em maior ou menor escala e até mesmo de forma localizada. Porém, o cenário de guerra não é mais tão interessante para os Estados dentro do capitalismo financeirizado, que se iniciou após o final da segunda guerra mundial. Por isso, atingir a paz mundial virou uma prioridade na agenda internacional da maioria dos governos.
A necessidade de manutenção da paz e segurança dentro do sistema fizeram com que os ideais do liberalismo, responsável anteriormente por inspirar a criação da Liga das Nações, voltassem a emergir. Esse paradigma traz a noção de que é possível reformar e melhorar o ser humano e as relações internacionais por meio da razão, cooperação, educação e diálogo (PECEQUILO, 2004). Os liberais (ou idealistas) também pensam em como instituições podem ser criadas ou reformadas para se atingir a paz por meio da cooperação e a interação dos Estados entre si dentro de um sistema anárquico e multilateral.
Com a luz do idealismo, podemos então entender mais sobre a Assembleia Geral da ONU, uma das representações máximas desse multilateralismo, e qual o papel do Brasil nesse panorama. Sendo estabelecida em 1945 após a criação da Carta das Nações Unidas, a Assembleia é o principal órgão deliberativo, político e representativo da ONU, e tem o papel de discutir as questões mais importantes e críticas para a manutenção da paz e do multilateralismo. Também possui um papel importante para a definição de normas dentro do Direito Internacional.
Sendo membro-fundador da ONU, o Brasil sempre assumiu um papel relevante dentro da defesa do regime multilateral, negociações e missões para manutenção da paz no cenário internacional. Desde 1907, antes mesmo da criação da Liga das Nações, a diplomacia brasileira já mostrava sua potencialidade, quando o representante do Brasil, Rui Barbosa, foi à II Conferência de Paz de Haia para defender a necessidade do reconhecimento do país como uma nação civilizada (GOMES, 2015).
Por esse histórico de protagonismo, a diplomacia brasileira ganhou uma grande relevância na política internacional e se legitimou internacionalmente como uma das mais bem preparadas do mundo, ganhando o “privilégio” de ser, historicamente, o primeiro país a discursar nas Assembleias da ONU. Além disso, a relevância diplomática do Brasil no exterior também foi responsável por fortalecer a habilidade brasileira de influenciar outros Estados através da negociação, da atração e da inspiração. Essa ideia de influência não coerção parte da ideia de soft power, criada por Joseph Nye em 2004.
No entanto, as mudanças da política interna do Brasil nos últimos anos abalaram esse prestígio existente na diplomacia brasileira. Mesmo a política externa sendo um instrumento do Estado e não de um governo específico, a associação entre os dois desde 2018 fez com que o mundo passasse a olhar com desconfiança para o gigante da América do Sul.
No trabalho “A ruptura na política externa brasileira e suas dimensões doméstica e geopolítica: subordinação internacional, fragmentação regional e resposta à pandemia”, publicado em 2020, o Dr. em ciência política Tiago Nery aponta, entre diversos fatores, a tendência ao alinhamento automático por proximidade ideológica com o ex-presidente americano Donald Trump, a ambígua relação com o multilateralismo, as ameaças às instituições democráticas e a resposta desastrosa a crise sanitária da COVID-19 como alguns dos principais motivos que comprometem a reputação brasileira no sistema internacional.
A 76º Assembleia Geral da ONU será um momento desafiador para todos os países. O mundo está vivendo uma das piores crises desde a Segunda Guerra Mundial, e as questões a serem debatidas como diplomacia da saúde, pandemia, acesso a vacinas, retomada da economia, desigualdade, pobreza e meio ambiente são muito pertinentes para a atual realidade do Brasil. Como um país em desenvolvimento, as alianças são essenciais para garantir os ganhos materiais que podem impulsionar o crescimento e bem-estar da população.
Sabe-se que, nesse ano, quem irá redigir o texto que será lido por Jair Bolsonaro na abertura da assembleia será o chanceler Carlos Alberto França, que diferente de seu antecessor, vem adotando uma postura mais moderada em relação aos ideais da política interna do atual governo. Porém, é possível que algumas falas sejam mais incisivas em relação ao discurso que elegeu o presidente atualmente fragilizado, com questões como soberania e defesa em alta. Com isso, não se sabe ao certo até que ponto o Brasil pode conseguir liderar uma discussão pragmática e que traga benefícios para a população e nem qual a real disposição que outros Estados possuem de cooperar com a questão brasileira.
Em um cenário utópico, o Brasil poderia aproveitar a ocasião e o foco em questões climáticas, nas quais o país também se fez protagonista por muitos anos, para retomar o seu poder de negociação e iniciar uma reconstrução da imagem da diplomacia brasileira no cenário internacional, mostrando não somente o interesse mas também uma aptidão governamental para atingir metas e fortalecer os ideais multilaterais dentro da própria agenda interna. Entretanto, isso só será possível quando a diplomacia brasileira não se encontrar mais perdida nos delírios e resquícios de 64 e se voltar para a realidade de crescimento e cooperação internacional.
REFERÊNCIAS
CHADE, Jamil. A ambígua relação do governo Bolsonaro com o multilateralismo, em 2019. Disponível em: https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/03/11/a-ambigua-relacao-do-governo-bolsonaro-com-o-multilateralismo. Acesso em: 19 set. 2021.
GLOBO, Karla. O Itamaraty precisa voltar para o século 21, 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/democracia-e-diplomacia/2020/12/03/o-itamaraty-precisa-voltar-para-o-seculo-21. Acesso em: 19 set. 2021.
GOMES, Eduardo; WINTER, Luís. Diplomacia brasileira e a ONU. Estado de Direito, 2015. Disponível em: http://estadodedireito.com.br/diplomacia-brasileira-e-a-onu. Acesso em: 18 set. 2021.
HU, Caitlin. Redefinição da economia global na pandemia e clima: os desafios da Assembleia-Geral da ONU, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/redefinicao-da-economia-global-na-pandemia-e-clima-os-desafios-da-assembleia-geral-da-onu/. Acesso em: 19 set. 2021.
PECEQUILO, Cristina Soreanu. Introdução às Relações Internacionais: temas, atores e visões. Petrópolis: Vozes, 2004.
NERY, Tiago. (2021). A ruptura na política externa brasileira e suas dimensões doméstica e geopolítica: subordinação internacional, fragmentação regional e resposta à pandemia . Princípios, 40(160), 88 – 111. https://doi.org/10.4322/principios.2675-6609.2020.160.004