Ana Beatriz Cruz da Costa – Acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais
A partir da Guerra Fria, iniciou-se uma busca desenfreada por desenvolvimento, principalmente tecnológico. O contexto protagonizado pela URSS e pelos EUA contavam com uma alta rivalidade entre os atores que buscam superar um ao outro. Nesse período, houve grandes investimentos em recursos bélicos e comunicacionais, além do investimento em outros âmbitos. Tendo em vista o contexto, os meios de comunicação foram ganhando notoriedade devido às suas potencialidades. Dessa forma, foram aprimorados de acordo com a necessidade de eficiência sobre a recepção e disseminação de informações, como também a possibilidade de ações e reações em períodos mais curtos de tempo e de forma abrangente. Com isso, esses meios de comunicação foram associados ao jornalismo e às mídias, dando grande relevância aos veículos de comunicação em todo o mundo.
Na perspectiva histórica de Orivaldo Leme Biagi (2001), a mídia está presente em praticamente todos os aspectos da vida humana. Ela utiliza de elementos reais da sociedade para criar imagens que ressaltam uma ordem, ou seja, a mídia influencia a realidade e também é influenciada pela mesma. Devido às suas capacidades de difundir informações, ela é vista com uma grande importância política. Para o autor, da mesma forma que ela é importante para visibilizar e proporcionar mais participação da população, ela também possui o necessário para uma manipulação em massa. Portanto, quem possui controle e influência sobre os fluxos informacionais e as mídias que auxiliam nessa propagação, desfruta da possibilidade de manipular de acordo com seus interesses.
Para compreender a Guerra do Golfo e a relação dela com a atuação da CNN, é necessário estar a par do contexto das relações entre Iraque, EUA e outros países envolvidos. A guerra entre Irã e Iraque ( 1980 – 1988), motivada por questões politicas e territoriais, ao seu fim, resultou em uma grande instabilidade e endivimento do Iraque com diversos países devido a sua necessidade de recursos durante o conflito, principalmente com o Kuwait que concedeu grande parte desses recursos.
Dessarte, Saddam Hussein, líder do Iraque, passou a organizar uma invasão ao território do Kuwait, com interesses de anexação territorial sobre os campos de petróleo e a saída estratégica e de fácil acesso pelo Golfo Persico (ARRAES, 2004). As intenções de Saddam Hussein foram fortemente repudiadas pelos EUA e pela Inglaterra, os quais juntamente com a impressa passam a disseminar em canais midiáticos a imagem do líder iraquiano como um inimigo em comum de todos e que deveria ser combatido. Nesse momento, a grande repercussão da situação acabou por causar um silenciamento da oposição, que certamente não possuía as mesmas estratégias e visões sobre as mídias ou influência sobre meios comunicacionais como as potências dos EUA e Inglaterra possuíam.
Nesse contexto, a CNN teve um importante papel na Guerra do Golfo ao proporcionar a cobertura ao vivo para o público, inicialmente exclusivo dos EUA e posteriormente passou a ser fonte de informações de diversos países. A rede também foi usada por George Bush e por outros representantes do governo como uma ferramenta para constranger a oposição e pressionar o governo iraquiano ao disseminar informações na mídia e declarar posicionamentos. No mesmo período, surgiu o termo “Efeito CNN” (ARRAIS,2014), pois a emissora se tornou o principal meio de comunicação que informava aos americanos e ao mundo a situação da guerra, através de fotos chocantes e informações sobre as circunstâncias da mesma. A emissora foi essencial para as decisões dos EUA com base na opinião pública, a qual consiste em um consenso coletivo sobre um determinado assunto, gerando discussões e mudanças. Portanto, ela influi tanto na opinião pública quanto nas decisões políticas. Dessa forma, sugere a independência e o protagonismo às mídias.
O artigo de Frank J. Stech (1994) fala sobre acontecimentos envolvendo os militares e a mídia através de relatos. É ressaltado que durante a Guerra do Golfo, o Pentágono e a Casa Branca tentavam restringir a imprensa para evitar que fatos negativos sobre a força militar dos EUA refletissem no apoio da opinião pública aos EUA. Inclusive, as transmissões eram impedidas e atrapalhadas pelo exército, além de apresentarem desgosto sobre a midiatização. Por outro lado, o Tenente General Walter Boomer que comandava os fuzileiros navais, apresentou cobertura à imprensa que passou a atuar em conjunto com os fuzileiros, o que garantiu apoio à opinião dos EUA e dos fuzileiros navais, resultando na melhora de relações públicas, ou seja, houve uma aliança entre militares e a imprensa.
Para o término das tensões na região, a ONU também se manifestou contra a ingerência no Kuwait pelo Iraque. Em abril de 1991, o Iraque reconheceu sua derrota e houve um cessar fogo (LUPI, 2005). Através de toda a midiatização da guerra, com a derrota de Saddam Hussein, os Estados Unidos buscavam reafirmar sua superioridade tecnológica a partir das transmissões da guerra, que mostravam os bombardeios cirúrgicos e a alta tecnologia utilizada.
Tendo em vista os avanços impulsionados pelos eventos supracitados, é possível identificar dois fenômenos muito presentes e crescentes, o de interdependência e o de globalização, que designam uma Sociedade Global conectada por redes. De acordo com Keohane e Nye (1989), na Teoria de interdependência complexa, o que define o poder são os conceitos de sensibilidade e vulnerabilidade, pois ambas são formas de resposta a ações externas. Devido ao imediatismo na Era da Informação, essas ações e reações ocorrem de maneira muito mais rápida e os Estados de maior influência comunicacional mundial, consequentemente, terão melhores resultados ao agir ou reagir, o que também se conecta com a teoria do “Soft Power” de Joseph Nye.
Os estudos sobre a mídia como um ator internacional ainda são recentes, mas a partir da Guerra do Golfo e do surgimento do “CNN Effect”, a mesma é vista com notoriedade. Para analisar as mídias, Eytan Gilboa retoma os conceitos de Soft Power e interdependência complexa para fundamentar aspectos que tangem a atuação da mídia no cenário internacional, para isso criou uma taxonomia que classifica a mídia quanto a sua atuação: a mídia como ator controlador, ator constrangedor, ator interventor e ator instrumental.
A partir de tal classificação de Gilboa (2002) é possível analisar que durante a Guerra do Golfo Pérsico, a mídia assume três tipos de atuação: como controladora, devido a teoria do CNN Effect, que defende a autonomia da mídia e a sua capacidade de influência; como constrangedora, ao fazer parte das estratégias para reprimir Saddam Hussein e como instrumental, tendo em vista que foi utilizada como meio para obtenção do apoio público.
Portanto, é possível reconhecer que durante a Guerra do Golfo a mídia se mostrou muito versátil ao assumir diferentes facetas de maneira estratégica de acordo com o contexto e interesses, além de assumir um papel importante e determinante para a situação.
REFERENCIAS:
ARRAIS, César Henrique. A mídia das Relações Internacionais: aproximações epistemológicas. 2014. 34 f. Trabalho de conclusão de curso (Especialização em relações internacionais). Universidade de Brasília, Brasília, 2014.
BIAGI, Orivaldo Leme. O imaginario e as guerras da imprensa: estudo das coberturas realizadas pela imprensa brasileira da Guerra da Coreia (1950-1953) e da Guerra do Vietnã na sua chamada ” fase americana” (1964-1973). 2001. 286 p. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: <http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/280397>. Acesso em: 22 jul. 2021.
GILBOA, Eytan. Diplomacy in the media age: Three models of uses and effects, Diplomacy & Statecraft, v.12, n.2, p.1-28, 2001. Disponível em: <http:// dx.doi.org/10.1080/09592290108406201
GILBOA, Eytan. The global news networks and U.S. Policymaking in defense and foreign affairs. Cambridge, MA: Harvard University, 2002.
KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Power and Interdependence. New York: Harper Collins, 1989.
LUPI, André Lipp Pinto Basto. A guerra do Golfo: legalidade e legitimidade. Novos Estudos Jurídicos, v. 10, n. 2, p. 513-536, 2005.
NYE, Joseph. Soft Power: The Means to Success in World Politics. 2004. Disponível em: file:///C:/Users/ADMINISTRACAO/AppData/Local/Temp/Joseph%20S.%20Nye%20%20Jr.Soft%20Power_%20The%20Means%20To%20Success%20In%20World%20PoliticsPublicAffairs%20(2005).pdf.>. Acesso em 25 de mar. 2021
STECH, Frank J. “Winning CNN Wars.” The US Army War College Quarterly: Parameters 24, 1 .1994. Disponível em: https://press.armywarcollege.edu/parameters/vol24/iss1/36