
Larissa Schoemberger – Acadêmica do 8° semestre de Relações Internacionais
Recentemente, todos os atores internacionais voltaram seus olhos para o Afeganistão devido ao acordo entre os Estados Unidos e o Talibã referente a retirada das tropas estadunidenses da região, as quais estavam lá há cerca de 20 anos. Com a saída dos EUA, o grupo extremista volta para Cabul e toma o governo da capital afegã, o que levantou preocupação dentro do cenário internacional, que não sabe o que esperar das ações incertas do grupo, pois, no passado, quando estavam no poder, aplicaram o regime teocrático fundamentalista que era a sua interpretação da lei islâmica, a sharia.
Com um grupo extremista assumindo o governo do Afeganistão surge o questionamento: isso pode influenciar a volta de outros grupos como Al-Qaeda e o Estado Islâmico? Desde o dia 21 de agosto os Estados Unidos tinham conhecimento de ameaças de ataque ao aeroporto de Cabul feito pelo Estado Islâmico ou pelo acrônimo inglês Isis (Islamic State of Iraq and Syria), o que só aumentou as tenções dentro do país (GOMES, 2021). Na quinta-feira, dia 26, ocorreu um ataque com duas explosões no aeroporto com autoria da filial do Isis-K, onde matou cerca de 60 pessoas, sendo civis afegãos e estrangeiros, militares estadunidenses e membros do Talibã, e deixando mais de 140 feridos (O GLOBO, 2021).
Fazendo um breve resumo sobre o Estado Islâmico, ele foi criado depois da morte de Osama Bin Laden em 2011, e com o enfraquecimento da Al-Qaeda. Com a morte do líder Zarqawi, o iraquiano Abu Bakr al-Baghdadi assume a chefia do conselho de sharia da Al-Qaeda no Iraque e muda o nome para Estado Islâmico no Iraque, após isso começa a ampliar seus horizontes entrando e dominando a região da Síria se aproveitando da instabilidade da região. No começo o Isis tinha apoio da Al-Qaeda, mas depois de alguns atos que o grupo não aprovava, passou a não reconhecer e nem se responsabilizar pelas ações do Isis ou Daesh como é conhecido no mundo Árabe (SIMÕES, 2021).
Após a desassociação da Al-Qaeda, o Isis buscava deixar o grupo extremista no esquecimento e assumir seu lugar como maior patrocinador de ataques terroristas no mundo totalizando “143 atentados, em 29 países, deixando 2.043 mortos” (id., 2021). Somente em 2019, com a morte do líder Baghdadi, que o Daesh foi “derrotado” diminuindo o número de atentados terroristas no mundo. Apesar do enfraquecimento, o grupo nunca deixou de existir nem de fazer seus ataques na região, ainda havendo diversas células espalhadas pelo oriente médio (id., 2021).
Por volta de 2015, foi criada a filial do Estado Islâmico do Khorasan com ex-integrantes do grupo Tehrik-i-Taliban que era do Paquistão e ficava na região fronteiriça entre o Paquistão e o Afeganistão. Essa célula era a que tinha mais apoio do Isis, tanto financeiro quanto logístico, isso por eles estarem em uma região considerada estratégica para o grupo. Suas estratégias de recrutamento eram com promessas de muito dinheiro e discursos contra o Talibã, que se mostrava receptivo a acordos com os EUA, e discursos contra os estadunidenses. Apesar de muitos grupos extremistas normalmente cooperarem uns com os outros por conta das suas ideias defendidas, não é o que acontece com o Talibã e o Isis-K. Isso porque o Talibã enviou uma carta para o líder do outro grupo dizendo que só poderia existir um grupo naquela região levantando a bandeira da sharia. A partir disso, o EI e o Talibã se tornaram inimigos (BARINI, 2021).
Olhando os últimos acontecimentos a partir das teorias de relações internacionais podemos analisar as ações dos grupos extremistas a partir do neoliberalismo de Joseph Nye. Para esse teórico existem três formas de como os atores internacionais, sendo eles Estados ou não, podem usar esse poder começando pelo – HardPower, que usa a força (normalmente sendo militar) para conseguir alcançar seus objetivos, o SoftPower, que faz o uso da persuasão, e SmartPower, que seria a combinação do soft e hard power para atingir seus objetivos (KEOHANE; NYE, 1998).
Nota-se que as ações tidas pelo grupo extremista do Talibã para alcançar seus objetivos pode se considerar o uso do SmartPower, onde ele faz acordo com os Estados Unidos, não envolvendo violência e mostrando uma mudança de tom referente a última vez que estava no poder a respeito do direito das mulheres para dessa forma conseguir uma certa aprovação do cenário internacional, e ao mesmo tempo usa a violência com o governo e povo afegão para tomar o poder e controlar a região. Já o Isis-K usa o HardPower puro, fazendo ataques com bombas e assumindo a autoria dos ataques sem medo de represália, atacando tanto os militares estadunidenses quanto integrantes do Talibã (id., 1998).
O ressurgimento do grupo extremista do Isis-K é algo que podemos considerar extremamente delicado, porque diferente do Talibã, o Isis não está aberto a fazer negociações sem o uso da violência, e seu retorno pode significar uma disputa com o Talibã pelo controle da região o que vai agravar ainda mais a situação do país nos âmbitos de segurança, da economia e de imigração. Isso dificulta para o governo afegão que estava reunindo pessoas da resistência para tirar o Talibã do poder, agora vai ter que repensar estratégias e incluir o Isis como ameaça, e divide o cenário internacional entre aqueles que consideram trabalhar com o Talibã por parecer o mais viável para acabar com o Isis e aqueles que não concordam pois os dois são grupos extremistas a serem combatidos (CHALMERS; SIEBOLD, 2021).
REFERÊNCIAS
BARINI, Filipe. Conheça a filial do Estado Islâmico no Afeganistão, inimiga comum de EUA e Talibã. O Globo. 25 ago. 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/conheca-filial-do-estado-islamico-no-afeganistao-inimiga-comum-de-eua-taliba-25170032. Acesso em: 28 ago. 2021.
CHALMERS, John; SIEBOLD, Sabine. ANÁLISE-Ataque do Estado Islâmico aponta Taliban como opção menos pior do Ocidente no Afeganistão. ISTOÉ. 27 ago. 2021. Disponível em: https://istoe.com.br/analise-ataque-do-estado-islamico/. Acesso em: 29 ago. 2021.
GOMES, João Francisco. Ameaça de ataques do Estado Islâmico em Cabul obriga EUA a alternativas para retirar cidadãos do Afeganistão. Observador. 21 ago. 2021. Disponível em: https://observador.pt/2021/08/21/ameaca-de-ataques-do-estado-islamico-em-cabul-obriga-eua-a-alternativas-para-retirar-cidadaos-do-afeganistao/. Acesso em: 28 ago. 2021.
KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Power and Interdependence in the information age. Foreign Affairs, v. 77, n. 5, pp. 81-94, 1998.
O GLOBO. Atentado com explosões deixa dezenas de mortos e aumenta caos no aeroporto de Cabul. O Globo. 26 ago. 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/atentado-com-explosoes-deixa-dezenas-de-mortos-aumenta-caos-no-aeroporto-de-cabul-25171714. Acesso em: 28 ago. 2021.
SIMÕES, Rogério. Estado Islâmico: como grupo surgiu do caos de guerras para aterrorizar o mundo. BBC News. 16 mai. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55379503. Acesso em: 28 ago. 2021.