
Camila Neris – Acadêmica do 2° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
No dia 01 de fevereiro de 2021, dia em que ocorreria a primeira sessão do novo parlamento eleito com 83% dos votos, os militares, liderados por Min Aung Hlaing deram um golpe de Estado na nova e frágil democracia birmanesa. Desde 2011 Mianmar é governado sob regime democrático, os jovens que cresceram à luz da crença na democracia e na força do povo se recusam a aceitar o retrocesso, formando maioria nos grupos de resistência contra os militares.
É preciso recorrer à história do país para compreender os fatores que o tornaram suscetível ao golpe. (CUESTA, 2016) A configuração deixada pelo passado colonial e por uma instituição militar poderosa foi determinante para a instabilidade. O país que foi colônia britânica entre 1824 e 1948, possui mais de 130 etnias, mas de acordo com dados de 2010 (DITTMER), 68% da população é da etnia bamar.
Os líderes militares Chin (etnia birmanesa) e Aung San (etnia Kachin), que lutaram pela independência do território, assinaram em 1947 o Pacto Panglong, que garantia autonomia interna e autodeterminação dos povos, porém após a morte do líder das minorias, Aung San, estas passaram a sofrer com limpeza étnica sob o governo militar opressivo de Chin (DA SILVA SIMÕES, 2015).
A série de perseguições e tentativas de genocídio no país desde sua independência contribuiu para a fragmentação política, onde muitos povos não reconhecem o governante ou a nação. Tal situação corrobora para o protagonismo militar uma vez que esteve responsável pela união do país e garantia da soberania do Estado.
Em vista desse cenário, os militares governaram Myanmar de 1962 até 2011, quando passou por uma transição semi-democrática proposta pelo próprio general Tatmadaw, que governou o país durante 49 anos. (RUZZA,2021) Apesar das eleições multipartidárias, a transição não passava de um plano do general para alavancar a economia birmanesa mas sem reais pretensões de deixar o país livre. À medida que a Liga Nacional pela Democracia (LND), principal partido civil, ganhava votos, e passava a governar independente dos interesses militares, passou a se tornar uma ameaça. Em novembro de 2020, quando a Liga venceu as eleições, a oposição alegou irregularidades na votação e passou a disseminar acusações falsas contra o partido, culminando no golpe.
No dia 01 de fevereiro, militares bloquearam o acesso à capital, cancelaram voos, derrubaram o acesso à internet e serviço de telefonia móvel e prenderam membros da LND, incluindo a líder Aung San Suu Kyi, ministros e governadores da oposição. Desde então, milhares de birmaneses têm se reunido em protestos contra o governo tirânico, que reage de forma violenta: entre fevereiro e julho desse ano, cerca de 930 civis foram assassinados durante confronto com o exército (ONU NEWS, 2021).
Min Aung, chefe das forças armadas justifica a ação a partir da Constituição de 2008, que permite aos militares declarar emergência nacional e assumir o controle do país, a previsão declarada é que o estado de emergência vigorará por 1 ano, entretanto a diplomata enviada pela ONU ao país, Christine Schraner Burgener, alega que as chances de restaurar a democracia ficarão ainda menores com o passar do tempo e aponta que a chave para impedir a efetivação do golpe está no embargo armamentista através de consenso internacional. A comunidade global expressa preocupação diante da situação atual, a porta-voz da ONU, Eri Kaneko, critica o emprego de violência para reprimir manifestações legítimas no Mianmar.
REFERÊNCIAS :
CUESTA, Borja Llandres. La transición política de Myanmar. bie3: Boletín IEEE, n. 2, p. 640-656, 2016.
DA SILVA SIMÕES, Liz Carolina. Mianmar e o Desafio da Segurança Humana. Boletim Historiar, n. 9, 2015.
COM mais de 930 mortes, Mianmar marca meio ano de regime militar.ONU News.30 de jul. de 2021. Disponível em : < https://news.un.org/pt/story/2021/07/1758552> Acesso em : 10 de jul. de 2021.
RUZZA, Stefano. O país está vivo, mas não muito bem: a difícil vida da democracia em Mianmar. In: Café História. Tradução de Bruno Leal Pastor de Carvalho. Original em: The Loop. Publicado em 12 abr. de 2021. Disponível em: <https://www.cafehistoria.com.br/a-dificil-vida-da-democracia-em-mianmar/>. Aceso em : 11 de jul. de 2021.
ENVIADA da ONU alerta para perigo de guerra civil em Mianmar.DW, 19 de junho de 2021. . Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/enviada-da-onu-alerta-para-perigo-de-guerra-civil-em-mianmar/a-57965959 >. Acesso em: 11 de jul. de 2021. Dittmer, Lowell, ed. Burma or Myanmar? The struggle for national identity. World Scientific, 2010.