
Rafaela Vale – Acadêmica do 4º semestre de Relações Internacionais.
A República Francesa e a Inglaterra se destacam no cenário internacional como duas das nações ocidentais mais influentes nas dinâmicas de poder geopolítico. O passado marcado por processos de conquistas territoriais, inclusive fora do continente europeu, permitiu á ambas uma vasta expansão de seus domínios, levando seus aspectos culturais, como seus respectivos idiomas, ao mesmo tempo em que coletavam produtos valiosos desses territórios.
Em produções de John Mearsheimer (2001), teórico de vertente realista das Relações Internacionais, especificamente em “The Tragedy of The Great Power Politics”, é apresentado o pensamento sobre a questão do realismo ofensivo, no qual os Estados como racionais em um sistema internacional anárquico, buscariam como objetivo sua própria sobrevivência e segurança, podendo se comportar de maneira agressiva para a obtenção de vantagens de poder.
As duas potências europeias, antes mesmo do processo de embarcar rumo à colonização de outros territórios, praticavam desde o princípio a busca pelas vantagens de poder, podendo ser demonstrada desde meados da baixa idade média por meio de disputas entre monarcas, que levaram a ascensão de Guilherme, o Conquistador, cujas raízes são da Normandia, ao trono inglês.
Os descendentes do rei Guilherme passam então a propagar o regime de conquista normando na região, o que desenrola mais processos de fortalecimento ou mesmo competição por poder entre os próprios membros da família real, os sobrinhos-netos do Conquistador, imperatriz Matilda e Estevão de Blois, que passaram a rivalizar pelo trono após a morte de seu filho e sucessor rei Henrique I (DETTMANN, 2019).
Com o passar do tempo, durante a Guerra dos Trinta Anos, as influências de Inglaterra e França espalham-se pelo continente, onde ambas formaram alianças com outras grandes potências militares com o objetivo de impedir o avanço adversário (MONDAINI. 2006). Atravessando o grande conflito religioso europeu a busca dos territórios também expande para suas colônias em outros continentes.
Processos revoltosos foram levantados ao redor do mundo devido ao colonialismo dessas potências. Na América, o movimento da Revolução Americana inicia-se com a militarização do território por parte dos britânicos, que sentiram a ameaça da presença francesa e espanhola na região hoje compreendida como Estados Unidos e Canadá. Porém, esse processo apenas ascendeu a Revolta Americana em busca de sua independência até 1782 (RODRIGUES, 2002).
Com o advento da Revolução Industrial, outras nações europeias também estavam atraídas por territórios abundantes em recursos, como grande parte dos países do continente africano, sendo este um dos mais afetados pelo neocolonialismo, cujas consequências ainda são presentes nos âmbitos civis e econômicos. Segue uma luta constante no continente ainda pela descolonização, um movimento de independência das práticas colonialistas, como atividades e produções regionalistas, como o cinema (LIMA JÚNIOR, 2013). A ambição por territórios da região foi um importante fator para a ocorrência da Primeira Guerra Mundial (PIRES; FOGARTY, 2014).
Séculos após os grandes conflitos na região do Canal da Mancha, as relações entre França e Inglaterra obtiveram grandes mudanças devido ao novo contexto global no pós-guerra. Até então, ambos eram membros da União Europeia e participavam coletivamente com outros países do continente na tomada de decisões. Em 2021, com a saída do Reino Unido da União Europeia, certos acontecimentos já demonstram uma mudança nesse cenário.
A começar pelas exigências francesas no processo de negociação da saída dos britânicos, ainda no ano de 2020, dando ênfase nos tópicos de economia e da atividade pesqueira na região do Canal da Mancha (BLOOMBERG, 2021). Uma desavença em 2021, apresentada na British Broadcasting Corporation, demonstra um pouco da importância de estabelecimentos sobre a atividade pesqueira. Os cidadãos da ilha inglesa de Jersey, mais próxima do território francês, sofrem com a dualidade e novas restrições a esta atividade no local, causando dificuldade até mesmo da posse de um barco pesqueiro francês para navegar pela região. As novas normas levaram a protestos, que foram respondidos com boicote a energia elétrica recebida da França e o cerco à ilha feita por navios de ambas as nações (BBC, 2021).
O comportamento apresentado por essas potências exemplifica as ideias realistas de Mearsheimer (2001) sobre o poder na política mundial contemporânea. O cenário do sistema internacional, por ter característica anárquica, leva as nações a buscarem por si uma expansão, seja geográfica ou econômica, para o estabelecimento de uma segurança, que seria garantida graças a uma hegemonia regional, por garantir uma posição de dominância. Também buscando esta segurança, ambas as nações chegam a uma concordância quanto a problemática da migração ilegal na região do Canal da Mancha, chegando com um acordo para a diminuição das travessias, na tentativa de impedir ou abrandar os números que estão a aumentar (EURONEWS, 2021). É provável a ocorrência de novos atritos nessa região seguindo o pensamento do teórico a respeito da busca pela hegemonia regional, além disso, o mesmo acrescenta que o perigo e a característica de implacável da política internacional é algo contínuo.
REFERÊNCIAS
BBC NEWS. Jersey, o pequeno paraíso fiscal no Canal da Mancha que gerou uma disputa naval entre a França e o Reino Unido. BBC News. 8 maio 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57040606. Acesso em: 26 jul. 2021.
EURONEWS. Reino Unido anuncia acordo com França para travar migração ilegal. Euronews. 21 jul. 2021. Disponível em: https://pt.euronews.com/2021/07/21/reino-unido-anuncia-acordo-com-franca-para-travar-migracao-ilegal. Acesso em: 27 jul. 2021.
BLOOMBERG. França sinaliza veto de acordo para Brexit se não gostar de termos. Money Times. 2020. Disponível em: https://www.moneytimes.com.br/franca-sinaliza-veto-de-acordo-para-brexit-se-nao-aprovar-termos/. Acesso em: 26 jul. 2021.
DETTMANN, Matheus Brum Domingues. A evolução das relações exteriores normandas e o surgimento da rivalidade entre os reinos da França e da Inglaterra. Mundo Livre: Revista Multidisciplinar, v. 5, n. 1, p. 103-120, 2019.
LIMA JÚNIOR, David Marinho de. A África Ocidental Francesa e o Surgimento do Cinema na África Negra, 2013.
MEARSHEIMER, John J. The tragedy of great power politics. 2001.
MONDAINI, Marco. Guerras napoleônicas. História das guerras, 2006.
PIRES, Ana Paula; FOGARTY, Richard S. África e a primeira guerra mundial. Ler História, n. 66, p. 57-77, 2014.
RODRIGUES, Luís Nuno. A Revolução Americana (1763-1787). 2002.