Maria Bethânia Galvão e Natalia Antunes (acadêmicas do 4º semestre de Relações Internacionais)

Keity Oliveira (acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais)

Em tempos de crise alimentar salientada pela pandemia, é imprescindível discutir acerca do desenvolvimento agroecológico, que diz respeito à produção alimentar alternativa à produção alimentar sob a lógica do capital. A agroecologia consiste em uma prática que leva em consideração os fatores naturais do ecossistema, pois o seu intuito é promover um estilo de agricultura mais respeitoso com a natureza (ROCHA et al, 2015 apud Gomes; Borba 2004), como extinguir o uso de agrotóxico e o uso do fogo na agricultura. Aliado a isso, promover a segurança alimentar, no sentido de garantir a autonomia da família camponesa envolvida na produção.

Em primeira análise, o desenvolvimento do modo de produção capitalista provocou o desenvolvimento de um comércio mundial oligopolizado, dinamizando o mundo de forma hegemônica e fragmentada. No cenário agrário, apesar de ter aumentado sua capacidade de produtividade alimentícia, o modelo agrícola dominante desencadeou uma série de problemáticas sociais e em especial, ambientais como o desmatamento, erosão, contaminação de solos, entre outros. Com isso, durante a última década, a agudização desses problemas tem contribuído para a mobilização de movimentos que pregam por modelos sustentáveis na agricultura. Assim, um deles é o modelo de agroecologia, constituído por “sistemas de produção agrícola com bases ecológicas e socialmente includentes, baseadas no trabalho de tipo familiar camponês” (GONÇALVES, 2008, p. 20).

Logo, são práticas que consistem no equilíbrio dos agrossistemas, sem uso de agrotóxicos e que diminuem a dependência de produtores e consumidores às empresas que dominam a agricultura. A prática da agroecológica está cada vez mais ganhando destaque e principalmente por meio de movimentos sociais no campo, como o MST. Assim, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) “nasce em um processo de enfrentamento e resistência contra a política de desenvolvimento agropecuário implantada durante o regime militar” (FERNANDES, 1997, p. 02). A partir de experiências de cooperação e coletivização, o MST vem demonstrando novas possibilidades acerca do desenvolvimento rural, colocando em evidência a necessidade de preservação e sustentabilidade na agricultura familiar. Por meio disso, os agricultores familiares e assentados, representam uma nova via para o uso das terras, como afirma CARMO (1998, p. 231):

“A produção familiar, dada às suas circunstâncias de diversificação das atividades vegetais e animais, e por trabalhar em menor escala, pode representar o lócus ideal ao desenvolvimento de uma agricultura ambientalmente sustentável.”

Em segunda análise, dentro da região amazônica, a agroecologia se estabelece como uma “ferramenta social importante para a transformação das realidades rurais através de ação coletiva e se constitui numa peça estratégica na construção da soberania alimentar” (ALMEIDA, 2019, p. 129). O modelo se faz de suma importância para o MST como meio de promover e implementar a soberania alimentar, que evidencia a garantia do direito fundamental de alimentação, assim como respeito pela cultura e pelos modos de comer dos povos e baseando-se em uma produção familiar com práticas sustentáveis e agroecológicas.

Nesse viés, a dificuldade de implementação da soberania alimentar, pode ser justificada por conta do modelo hegemônico vigente no país e de políticas neoliberais que privilegiam as grandes corporações transnacionais alimentares, dominantes no processo de distribuição dos alimentos e que transformam os alimentos em mercadorias. De acordo com o UOL (2021), a insegurança alimentar nos campos superou a das cidades com 55,7%. Além do fator pandêmico, esse índice pode ser justificado por conta da falta de políticas públicas de segurança alimentar e pela falta de alternativas essenciais como a soberania alimentar, levantada pelos movimentos sociais nos campos. Portanto, é uma das principais bandeiras levantadas pelo MST como forma de resistência ao domínio das grandes corporações para garantir um dos direitos fundamentais às pessoas, a alimentação.

Desse modo, pode-se afirmar que movimentos como o MST trabalham para pôr um fim na noção enganosa de que a Amazônia, por ser rica e diversa, não sofre com problemas de insegurança alimentar e nutricional. Noção essa que contribui para o mascaramento desses problemas e para o cenário vigente de exploração que coloca a Amazônia, e as comunidades que lá vivem, a favor da lógica de rentabilidade capitalista, vivendo e morrendo em prol do lucro.

Além disso, essas organizações estão fazendo denúncias incessantes à intencionalidade do governo federal ao bloquear políticas públicas viradas para a agroecologia e a sustentabilidade, e ao dar espaço para o latifúndio e o agronegócio. Diante da necessidade de mudança dessa realidade, a agroecologia é a alternativa mais atraente, ainda que seja a mais evitada pelas autoridades responsáveis.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Mário Tito Barros. A dinâmica eco-geopolítica da fome e as relações de poder na governança global da segurança alimentar: a soberania alimentar como resistência. 2019. 305 p. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) Universidade de Brasília, Brasília – DF. Acesso em: 10 de julho de 2021.

DO CARMO, Maristela S. A produção familiar como locus ideal da agricultura sustentável. Para pensar outra agricultura. Curitiba: ed. UFPR, p. 215-238, 1998. Acesso em: 10 de julho de 2021.

FERNANDES, Bernardo Mançano. Formação, espacialização e territorialização do MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra-Brasil. Anais do 6º Encuentro de Geógrafos de América Latina, 1997. Acesso em: 10 de julho de 2021.

GONÇALVES, Sérgio. Campesinato, Resistência e Emancipação: o modelo agroecológico adotado pelo MST no Estado do Paraná. 2008. 308 p. Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Estadual Paulista, São Paulo – SP.

ROCHA, André Carlos de Oliveira et al. AGROECOLOGIA NA AMAZÔNIA: UMA ALTERNATIVA PARA O SISTEMA DE “DERRUBA E QUEIMA”, ESTUDO DE CASO DO LOTE AGROECOLÓGICO DE PRODUÇÃO ORGÂNICA (LAPO)Cadernos de Agroecologia, [S.l.], v. 10, n. 3, may 2016. ISSN 2236-7934. Disponível em: <http://revistas.aba-agroecologia.org.br/index.php/cad/article/view/17379>. Acesso em: 15 de julho de 2021.

UOL ECONOMIA – 3 em cada 4 famílias do campo comem mal ou passam fome no Brasil. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2021/06/02/exportacao-recorde-alimentos-seca-pandemia-fome-campo.htm > Acesso em: 12 de julho de 2021.