Matheus Castanho Virgulino -5° semestre de Relações Internacionais

O filósofo e entomologista Ernst Jünger é um dos autores mais emblemáticos do século XX, tendo vivido por mais de cem anos, teve a oportunidade de vivenciar tudo, desde a Primeira Guerra mundial até a reunificação da Alemanha. Seu livro “Tempestade de Aço” (1929) é um dos relatos mais significativos da experiência de um soldado não apenas na Primeira Guerra Mundial mas também da guerra em geral.

Nascido na cidade de Heidelberg em 1895, Jünger era conhecido como um jovem rebelde. Em 1913, fugiu da escola onde estudava na França e se alistou na Legião Estrangeira, o qual um ano depois, em 1914, retornou para a Alemanha para servir como voluntário na Primeira Guerra mundial, continuando até o fim do conflito. Jünger era um soldado extremamente habilidoso e destemido, rapidamente subindo na hierarquia militar, eventualmente recebendo a medalha Pour Le Mérite, a mais alta condecoração do exército Imperial (BRITANNICA, 2021).

No período pós-guerra, Ernst J. se dedicou a literatura e a entomologia. Apesar de suas tendências nacionalistas, se tornou um opositor do partido nazista, criticando o antissemitismo e racismo através de campanhas e obras literárias tais como “Em Pilares de Mármore” de 1939, onde sua fama como herói de guerra lhe poupou de perseguição direta.

Ainda sendo parte do exército Alemão durante a Segunda Guerra mundial na Paris ocupada por nazistas, socializou com diversas figuras artísticas tais como Picasso, assim como se tornou um co-conspirador junto com Erwin Rommel e Hans Speidel da operação Valquíria, com o objetivo de assassinar Hitler, a qual após a falha do plano, ele conseguiu escapar de ser executado.

Stahlgewittern (Tempestade de Aço) são coletâneas dos diários e pensamentos de Jünger durante seu serviço na Primeira Guerra. O escritor toma uma perspectiva deveras única acerca do fenômeno da guerra: ao mesmo tempo que vê tal como uma causadora de sofrimento desnecessário, vê a guerra como uma oportunidade de aprimoramento pessoal através da coragem e dever. Esta quase dualista visão da guerra pode parecer contraditória ou até mesmo militarista em sua abordagem, mas isso seria uma simplificação do pensamento expressado pelo autor.

O autor expressa no livro que ele quer que o leitor sinta tudo que ele sentiu durante a guerra; isto incluindo dor, tristeza, desesperança e outras emoções negativas, mas também sentimentos como coragem, orgulho e até mesmo alegria nas amizades construídas. Isto é melhor expressado numa das linhas iniciais do livro em que diz : “A guerra entrou em nós como vinho. Éramos como flores na chuva em busca da morte de heróis.” (JÜNGER, 1929, p.1).

Jünger considera a experiência individual da guerra como um amontoado de sentimentos, e estes sentimentos sendo levados ao extremo nas situações presenciadas. Desta maneira, Ernst J. acreditava que a guerra tinha uma característica quase mística, ao levar o soldado ao extremo de seu ser individual. A maneira que estes sentimentos são aplicados no livro é feito de maneira similar a épicos tais como a Ilíada, no sentido que a guerra apesar de ser uma tragédia é cheia de complexidades e emoções de tal maneira que só pode ser experimentada por aqueles que a vivenciam.

O autor incorporou a crítica de Nietzsche à civilização ocidental para tentar esclarecer o absurdo da destruição e sofrimento que vivenciou, vendo tal como diretamente atrelado ao problema do niilismo e da apatia causada pela sociedade burguesa ocidental (BOUSQUET, 2015).

 Ademais, Jünger acredita que ser a favor ou contra a guerra é de certa forma inútil. Para ele a guerra é meramente uma maneira que a história progredia através da dialética Hegeliana. Esta ideia está fortemente alinhada com o pensamento realista, especialmente com o de Kenneth Waltz e sua interpretação do sistema anárquico e da natureza dos Estados, onde os mesmos por conta de suas diferenças de poder e desconfianças mútuas sempre tentam incrementar suas capacidades relativas em relação a outros (JACKSON, SØRENSEN, 2018). Este pensamento é melhor expressado no que é escrito no diário durante o começo da ofensiva Kaiserchlacht, a última grande ofensiva do exército Imperial Alemão contra as trincheiras da tríplice Entente:

“A batalha decisiva, o avanço final, havia começado. O destino das nações chegou a sua conclusão de ferro, e o prêmio era a posse do mundo…. Ninguém que viveu momentos como esses pode duvidar que o curso das nações, em última instância, ascende e cai com o destino da guerra.” (JÜNGER, 1929, p.141-142)

Ernst Jünger viria a mudar radicalmente suas perspectivas no final da sua vida, com seus trabalhos focando mais acerca da soberania individual, anti-materialismo e seus escritos filosóficos, que viriam a influenciar imensamente Martin Heidegger. Jünger viria a se converter ao catolicismo e acabou por falecer em 1998 aos 102 anos. No entanto, “Tempestade de Aço” continua sendo o livro mais representativo e poético sobre a primeira guerra mundial.

REFERÊNCIAS :

BOUSQUET Antoine. ERNST JÜNGER AND THE PROBLEM OF NIHILISM IN THE AGE OF TOTAL WAR. Sage Journals, 2015. Disponível em : https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0725513615619501?journalCode=thea. Acesso em 27 de Junho de 2021.

BRITANNICA. ERNST JÜNGER. Encyclopedia Britannica, 2021. Disponível em : https://www.britannica.com/biography/Ernst-Junger. Acesso em 27 de Junho de 2021.

JACKSON Robert, SØRENSEN Georg. INTRODUÇÃO ÀS RELACÕES INTERNACIONAIS. Rio de Janeiro, editora Zahar, 2018.

JÜNGER Ernst. THE STORM OF STEEL. Londres,  Chatto & Windus, 1929.