Emí Vilas Boas Feitosa – Graduanda em Relações Internacionais – ISCSP| UL

Em seus 15 anos como primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu estabeleceu dois marcos: foi o líder com mais anos no poder e o primeiro a enfrentar um processo criminal enquanto estava no cargo. Entretanto, os 12 anos consecutivos de governo de Netanyahu chegaram ao fim pelas mãos de um pacto governamental sem precedentes, onde os líderes dos partidos de oposição de Israel chegaram a um acordo. A coalizão foi formada por três forças da direita, duas do centro, duas da esquerda e, como grande novidade, um partido da minoria árabe.

Dentro da discussão do conceito de democracia está o conflito entre liderança e participação, onde a necessidade de governabilidade tende para o estabelecimento de uma elite no topo da pirâmide de poder, inúmeras vezes marcada pelo burocratismo e pelo fenômeno da corrupção (MALTEZ, 2018). Neste cenário, os próprios fins do Estado são ameaçados, entendendo que estes são segurança, liberdade, ordem, justiça e bem-estar. Estes fins devem ser servidos a todos os povos dentro de determinado território (DE SOUZA LARA, 2017). Desta forma, o governo de Netanyahu, dado o número limitado e orientações dos seus potenciais parceiros políticos, além de seus ideais, representa um novo risco para o carácter democrático do país.

Israel é um país parlamentarista, que elege a cada processo eleitoral 120 congressistas para o Knesset — nome dado ao Parlamento israelense – onde o Primeiro-Ministro é o chefe da maioria parlamentar (DE SOUZA LARA, 2017). Com a fragmentação eleitoral em Israel, tem sido difícil para um partido sozinho chegar a 61 cadeiras. Assim, são as alianças que definem qual grupo terá o poder de escolher o Primeiro-Ministro israelense.

Tendo que lidar com as marcantes diferenças ideológicas, o encarregado de conduzir o acordo histórico, o centrista Yair Lapid, teve que tentar agradar todas as partes na distribuição do poder. Lapid, porém, não será o nome que será submetido ao Knesset, mas o ultranacionalista conservador Naftali Bennet contribuiu com seus votos decisivos para o pacto. A formação do novo governo de Israel deve finalizar um impasse que se intensificou há dois anos, desde que Netanyahu não conseguiu segurar a aliança direitista que o mantinha no poder. Mesmo tendo conseguido formar aliança para um novo governo, o grupo anti-Netanyahu enfrentará o desafio de se manter unido mesmo com grupos políticos tão diversos, já que há nacionalistas israelenses e árabes na mesma coalizão, em um momento de tensão entre Israel e Palestina.

As razões para o nascimento da coligação, e do que tudo indica, o fim da era Netanyahu foram internas e externas. Netanyahu foi alvo de uma investigação de corrupção, que terminou com ele sendo acusado de suborno, fraude e quebra de confiança em 2019, indo a julgamento em maio de 2020, sendo o primeiro neste cargo a passar por isto. A oposição afirma que Netanyahu está apegado ao poder por razões pessoais. Ele estaria buscando imunidade processual, o que deu bases ainda mais substanciais para sua deposição.

Mais um fator que mudou e bastante foi a situação política internacional. Netanyahu não pode mais contar com um alinhamento mais estreito entre as políticas dos governos dos EUA e de Israel ou apresentar-se como o político israelita que mais vantagens trazia em termos de política externa. O reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, por Trump, gerou fúria em todo o mundo árabe, que apoia a reivindicação dos palestinos à metade oriental de Jerusalém ocupada por Israel desde a guerra do Oriente Médio de 1967.

Israel tornou-se, na realidade, mesmo com a sua democracia, um Estado à margem e contra a lei internacional. Deve-se criticar a violência do Estado israelita contra as populações civis palestinas. Seria bom pensar que a grande revolta em andamento na política israelense com a derrubada de Benjamin Netanyahu também sinaliza uma mudança na cultura política, mas infelizmente segue apenas sendo um sinal da invisibilidade dos palestinos que mesmo diante da inclusão verdadeiramente histórica de um partido árabe na coalizão não os introduziu na agenda. O partido islâmico Ra’am está usando suas quatro cadeiras para extrair pequenos ganhos para seu próprio eleitorado, mas, como todos os outros parceiros, concordou em não se envolver em toda a questão palestina com o propósito de evitar atritos.

REFERÊNCIAS

DE SOUZA LARA, Antônio. Ciência Política: Estudo da Ordem e Subversão. Edições ISCSP. 2017.

MALTEZ, José Adelino. Manual de Ciência Política: Teoria Geral da República. Edições ISCSP. 2018.

Maria João Guimarães. “Eleições em Israel: Netanyahu e os seus rivais”. Disponível em: < https://www.publico.pt/2021/03/23/mundo/noticia/eleicoes-israel-netanyahu-rivais-1955466> Acesso em 05/06/2021.

Ana França. “Yair Lapid, centrista, chamado a formar governo em Israel. Pode ser o fim da era Netanyahu?”. Disponível em: <https://expresso.pt/internacional/2021-05-05-Yair-Lapid-centrista-chamado-a-formar-governo-em-Israel.-Pode-ser-o-fim-da-era-Netanyahu–Pode-com-viragem-a-direita-2b7c8344 > Acesso em 05/06/2021.