
Iago Braga – Acadêmico do 5° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
As diversas temáticas que emergem dos conflitos na atualidade são cobertas por uma gama de novos conceitos que visam englobar aspectos contemporâneos da guerra e da paz, discutindo fatores como o desenvolvimento dos aparatos bélicos, das relações políticas, sociais e econômicas, da intensa demanda por informação, etc. No entanto, e o que é imprescindível, esses debates sempre voltam no tempo procurando concepções clássicas que auxiliem na compreensão do que está acontecendo hoje.
Por exemplo, para que se faça uma análise bem-feita do fenômeno da guerra, é necessário que, antes de tudo, haja um entendimento do que ela é. E aqui se faz presente uma obra medular, o livro “Da Guerra”, do pai do pensamento militar Carl von Clausewitz, o qual traça uma reflexão inovadora para a época. Nela, percebe-se a guerra não como o contrário da política, mas sim como um instrumento dela: “a guerra é uma simples continuação da política por outros meios” (ASHLEY, 1988, p. 46).
Nesse âmbito, decorre-se que em uma guerra não há apenas o enfrentamento bélico e físico entre as partes envolvidas, impõem-se também, como um “ato político”, as vontades, a moral, os ideais que aquele ator busca – Clausewitz se refere, aqui, aos Estados nacionais – (Ibid., p. 47; MARIMBONDO, 2019). Isto é, em um conflito, há também um combate de projetos de civilização.
Ao se volver os olhos para a região do Mar do Sul da China, veem-se estranhamentos resultantes do que Arrighi e Silver (apud PAUTASSO; DORIA, 2017) chamam de “transição sistêmica”. China, a potência em ascensão, e EUA, a potência em queda, aumentam ambos sua presença militar por considerarem um ao outro ameaças ao seu desenvolvimento, porém há outras nações envolvidas nesse imbróglio por, justamente, se localizarem ao redor dessa região estratégica para o comércio mundial.
Muitas narrativas culpabilizam uma chamada “Wolf Warrior diplomacy” por parte da China citando uma política expansionista e, até mesmo, um imperialismo chinês em questões como a ocupação de ilhas desabitadas e as reivindicações de “territórios navais”. Entretanto, escondem fatos como o de que a China só começou a ampliar sua influência na região em 2013 e que, até 2015, já haviam sido construídas: 29 estruturas navais pelo Vietnã, 5 pela Malásia, 8 pelas Filipinas, 7 pela China continental (Spratly) e 1 por Taiwan (PAUTASSO; DORIA, 2017, p. 22).
Essa crescente influência é devido aos planos da Nova Rota da Seda marítima chinesa que procura aumentar a livre navegação em uma área muito delicada para a história da China, onde se partiu o começo do conhecido “Século da Humilhação” imposto pelos colonizadores ao Império do Meio e aos arredores (VISENTINI, 2011, p.134). Porém, a China procura mediar os litígios com seus vizinhos partindo do conceito de “ascensão pacífica” (中国和平崛起), lidando com eles multilateralmente e regionalmente, fugindo de ingerências externas e fomentando o diálogo com as nações da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), por exemplo com a construção de um “Código de Conduta” entre eles (PAUTASSO; DORIA, 2017, p. 20, 25-26).
Essa resolução é tratada no Ocidente como uma imposição da potência local aos atores vizinhos, o que novamente oculta as dinâmicas de resistência soberana daquelas nações, principalmente do Vietnã que também procura um maior e autônomo destaque dentro desse contexto, tendo espaço aberto para o debate nas negociações da ASEAN e se relacionando ao mesmo tempo com os EUA e com a China (PAUTASSO; DORIA, 2017, p. 23-24). Ironicamente, os estadunidenses que dizem estar protegendo a região, estão na verdade construindo uma narrativa para a legitimação do seu papel de polícia do mundo, para sua política de Destino Manifesto que outrora praticou na América e, posteriormente, ao redor do mundo, possuindo inclusive as Filipinas como pivô na região (cf. BANDEIRA, 2016).
São esses dois projetos políticos, a “ascensão pacífica” e o “Destino Manifesto”, que estão se enfrentando, ainda não abertamente, mas já ideologicamente. É necessário lembrar que a guerra é um instrumento que a política usa para alcançar os seus fins e, sim, essa é uma conjuntura que pode escalar em um conflito físico. Contudo, a política é feita de entes racionais que podem virar as previsões de cabeça para baixo.
REFERÊNCIAS:
ASHLEY, Roger. Clausewitz: trechos de sua obra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1988.
BANDEIRA, M. Formação do Império Americano: da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
MARIMBONDO, Santiago. 3 dimensões da apropriação marxista do pensamento de Clausewitz: guerras híbridas e conflitos não-lineares. Lavra Palavra, 25, janeiro, 2019. Disponível em: https://lavrapalavra.com/2019/01/25/3-dimensoes-da-apropriacao-marxista-do-pensamento-de-clausewitz-guerras-hibridas-e-conflitos-nao-lineares/. Acesso em 20 de maio de 2021.
PAUTASSO, D.; DORIA, G. A China e as disputas no Mar do Sul: Entrelaçamento entre as dimensões regional e global. Revista de Estudos Internacionais, Vol. 8 (2), 2017. VISENTINI, P. G. F. A Novíssima China e o Sistema Internacional. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 131-141, nov. 2011.