Matheus Virgulino – Acadêmico do 5º Semestre de Relações Internacionais

O conflito atual entre forças do governo ucraniano e milícias locais contra separatistas russos em Donetsk e Donbass, apesar de parecer relativamente recente, é, na realidade, a continuação de um grande jogo geopolítico que continua desde o fim da Guerra Fria, a diferença na realidade atual é que os movimentos estão sendo feitos pela metade.
O famoso general prussiano, Carl von Clausewitz, celebremente proclamou que a guerra é a continuação da política por outros meios, no entanto esta famosa citação está errada. Lida no Alemão original mit anderen Mitteln significa “com outros meios.” (HOLMES, 2014). A distinção é importante, pois significa então que a guerra não é um ato utilizado por si só, mas sim combinado com outras gamas de mecanismos políticos e de sabotagem entre os atores envolvidos, o que hoje conhecemos como guerra híbrida.
É este jogo de balanceamento e utilização de conflitos geopolíticos para a aquisição de interesses estratégicos que os EUA e o resto do bloco ocidental jogam com a Federação Russa, desde o fim conturbado da URSS. A vitória na segunda Guerra Mundial não trouxe nenhum senso de segurança para os EUA e Grã-Bretanha e nem para a União Soviética, na realidade sendo o início de uma nova rivalidade a nível internacional. Os EUA conseguiram criar uma nova zona de influência na Europa ocidental por meio da OTAN e o plano Marshall, enquanto a União Soviética retomou seus territórios no Leste, podendo então projetar maior influência no mar báltico e negro (GADDIS, 2005).
O medo de destruição mútua, ocasionado pelas armas nucleares e as tensões em nível continental após o estabelecimento da cortina de ferro, fez com que um conflito direto entre as superpotências se tornasse impensável. A estratégia então mudou para a aquisição de vitórias geopolíticas, por meio de conflitos terceirizados, enquanto um estado de détente, ou seja, de relaxamento, existia entre as partes. A dinâmica mudou com a queda da URSS, quando partes da zona de influência soviética (em especial Polônia e República Checa) entraram para a comunidade Europeia e a OTAN. Em um estabelecimento informal entre a Rússia e os EUA, este último se comprometeu a não expandir as fronteiras da OTAN para o Leste em fronteira com a Federação Russa (BANKA, 2019)
No entanto, o países Bálticos – Lituânia, Letônia e Estônia -, aproveitando a sua sucedida conversão para uma economia liberal, entraram para a OTAN em 2004 com esperança de maior parceria com o Ocidente; os EUA agora estavam na fronteira da Rússia, e com maior acesso ao mar báltico, que é a tradicional zona de influência Russa desde o século XVIII. Esta quebra de confiança com o ocidente fez com que o presidente russo, Vladimir Putin, alterasse a sua política externa para uma espécie de expansionismo limitado para conter o avanço do ocidente na sua zona de influência. Em 2014, quando o regime pró-Rússia da Ucrânia foi derrubado por uma revolução, Putin aproveitou a oportunidade para anexar a península da Crimeia e a importante cidade de Sebastopol e apoiar grupos separatistas no leste da Ucrânia, iniciando a atual guerra civil.
Como demonstrado por Mearsheimer (2001), as grandes potências nunca podem ter certeza acerca das intenções de outras potências, o ponto principal sendo de que em um mundo onde Estados tem a capacidade de atacar uns aos outros é necessário inferir a intenção de tal ataque; portanto, os Estados sempre tentam maximizar os seu próprio poder em relação aos demais. A Rússia vê a aproximação dos EUA com a Ucrânia e outros ex Estados soviéticos como uma antecipação para um ataque contra sua soberania, enquanto os EUA vêm o expansionismo Russo como uma tentativa de renovar o poder da Rússia sobre ao leste Europeu e o mar negro.
Putin mobilizou mais de 100 mil soldados para a fronteira com a Ucrânia, após declarações do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, sobre sua intenção de retomar os territórios perdidos e acelerar a entrada da Ucrânia na OTAN. A justificativa dos russos era de que era apenas um exercício militar; mas, na realidade, essa mobilização é para mandar uma mensagem para a nova administração Biden. Os russos já conseguiram o seu objetivo estratégico ao anexar a Crimeia, então esta disputa atual é menos sobre a vontade de mais território, e sim sobre a manutenção do status quo favorável a Rússia. Ambos os lados sabem que um conflito agora não seria produtivo, sendo os riscos maiores que os ganhos possíveis.
É esperado que o presidente Biden tome uma postura diferente de seu predecessor, Donald Trump. Biden vê a Rússia como um inimigo estratégico e no seu atual plano de realinhamento com seus aliados europeus necessita que os EUA aumentem sua presença contra a Rússia. No entanto, Biden também procura balanceamento de relações e um estado de détente com a Rússia, já que a prioridade da política externa estadunidense atualmente é a China. A atual situação na Ucrânia, no entanto, é um teste de convicção entre as duas superpotências e um acidente estratégico pode se tornar uma guerra generalizada.

Referências :
1 BANKA, Andris. A RETROSPECTIVE ON THE BALTIC ROAD TO NATO. Texas National Security Review, 2019. Disponível em : https://warontherocks.com/2019/10/the-breakaways-a-retrospective-on-the-baltic-road-to-nato/
2 GADDIS, John. THE COLD WAR. The Penguin Press, New York, 2005.
3 MEARSHEIMER, John. THE TRAGEDY OF GREAT POWER POLITICS. Norton & Company : New York, 2001.
4 SEMCHUK, Liana. UKRAINE AND RUSSIA : WHY TROOP BUILD-UP UNLIKELY TO LEAD TO ALL-OUT WAR. The Conversation, 2021. Disponível em : https://theconversation.com/ukraine-and-russia-why-troop-build-up-unlikely-to-lead-to-all-out-war-157634
5 HOLMES, James. EVERYTHING YOU KNOW ABOUT CLAUSEWITZ IS WRONG. The Diplomat,0 2014. Disponível em : https://thediplomat.com/2014/11/everything-you-know-about-clausewitz-is-wrong/