Bruna Pinheiro – Internacionalista formada pela Universidade da Amazônia (UNAMA)

Mundo à fora, o desrespeito de direitos dos povos indígenas está marcado há séculos na sociedade. Apesar de ser patente, diversos entes nacionais e internacionais realizaram estudos para comprovar e basear a criação, no ano de 2007, da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas dentro do escopo onusiano de Direitos Humanos Universais. Entretanto, mesmo com esta institucionalização e a participação de países, o desrespeito permanece e chega a ser fomentado por determinadas políticas nacionais.

A concertação internacional através do braço das Nações Unidas para lutar a favor dos direitos indígenas é marcada pelo que o teórico crítico Andrew Linklater relata como a busca pela emancipação social. Apesar de ser uma estrutura criada pela noção de Estados soberanos, este e outros ambientes foram organizados para alcançar o que o autor denomina como “cidadão cosmopolita ou bom cidadão internacional” (2008, p. 03), mas sem os ideais contra-hegemônicos estimulados pela teoria.

Para a Teoria Crítica, as ordens são constituídas e os caminhos alternativos podem ser desenvolvidos através da promoção de novas formas de organização política, utilizando-se de forças contrárias ao Sistema Internacional vigente. Na análise da Teoria Crítica internacional, Linklater aborda três aspectos necessários para se alcançar a emancipação social: 1) os princípios morais, políticos e legais devem ser universalizados; 2) as desigualdades materiais devem ser reduzidas entre os grupos; 3) é necessário mais respeito pelas diferenças culturais, étnicas e as baseadas no gênero sexual.

O Estado soberano é o grande responsável pela reprodução destas estruturas de dominação e exclusão e o pensamento contrário ao Estado-nação é nitidamente presente nos discursos de autoridades indígenas nos mais diversos campos da luta por seus direitos originários. Os entraves são intensificados por diversos países para diminuir uma coordenação multilateral plena. A continuidade assídua da luta indígena dentro dos planos nacionais reforça a inação de políticas públicas voltadas para este grupo na ideia de sua autodeterminação, tão defendido pela Declaração quanto pelos teóricos críticos.

Mesmo com o desenvolvimento de Fóruns, Grupos de Estudo e o árduo trabalho de organizações indígenas como verdadeiros diplomatas em eventos da ONU, as questões práticas para barrar a violação de direitos são baixas e desencontradas no atual cenário, além de serem intensificadas pela presente crise sanitária.

Em datas como este 19 de abril no Brasil, nada há de comemorar e muito há de se lutar no que se caracteriza no país como “Dia do Índio”. Para marcar mais um ano crítico em meio à pandemia de coronavírus, diversos grupos indígenas articularam-se para passar o “abril vermelho” com eventos on-line para aumentar a conscientização sobre os desafios impostos pela sociedade excludente. Em tempos democráticos, a apropriação de espaços como a internet é de suma relevância para se alcançar a mobilização popular e mitigar a exclusão.

Os povos indígenas atuam cada dia mais como atores da governança global e devem ser vistos pelos Estados como protagonistas a partir de suas lutas por direitos. A marginalização de pautas e ações demonstra como não há interesse dos grupos hegemônicos de se alcançar um sistema não conflituoso com éticas universais que celebrem as diferenças.

Apesar de atuantes e potencialmente inclusivas, há um longo caminho a percorrer dentro dos espaços internacionais de atuação em prol dos direitos dos povos indígenas.

Essas agências e instituições [ONU, UNESCO, OEA, Bando Mundial] foram configuradas e mantidas como estruturas dessa humanidade. E nós legitimamos sua perpetuação, aceitamos suas decisões, que muitas vezes são ruins e nos causam perdas, porque estão a serviço da humanidade que pensamos ser. (KRENAK, 2019, p.8)

Devemos repensar nossos espaços de maneira colaborativa e disruptiva. Muito já foi aprimorado no âmbito internacional, mas ainda com a garantia dos direitos dos povos indígenas como coadjuvante. Sendo assim, é urgente a celebração da diferença pautada em ações e não em discursos enfeitados por aqueles que não compreendem nem desejam garantir os direitos indígenas. Garantir outras formas de se pensar e compreender a vida geram oportunidades outras de se conviver socialmente e garantir a inclusão.

REFERÊNCIAS

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. Companhia das Letras. São Paulo – SP: 2019, p. 8.

LINKLATER, Andrew. Critical Theory and World Politics: Citizenship, sovereignty and humanity. Special Indian Edition, Delhi: Routledge/Manohar, 2008. p 240.

NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais. Editora Campus: p. 148-161, 2005.

PINHEIRO, Bruna. Análise da Síntese da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe sobre Os Avanços e Desafios Para a Garantia dos Direitos Povos Indígenas da América Latina. In: 6º Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: <http://www.encontro2017.abri.org.br/resources/anais/8/1503191116_ARQUIVO_ABRI.PINHEIRO,BRUNA.ANALISEDASINTESEDACOMISSAOECONOMICAPARAAMERICALATINAEOCARIBESOBREOSAVANCOSEDESAFIOSPARAAGARANTIADOSDIREITOSPOVOSINDIGENASDAAMERICALATINA(1).pdf>. Acesso em: 18/04/2021.

ROWEDER, Rainner Jerônimo. A proteção do direito dos povos indígenas no Brasil: Uma relação necessária com os direitos humanos internacionais. Belo Horizonte – MG: Revista CAAP, 2010.

SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. Editora Saraiva: São Paulo-SP, p. 249-258, 2005.

URT, João Nackle. Povos Indígenas como Atores da Governança Global. In: 3° ENCONTRO NACIONAL ABRI 2011, 3, 2011, São Paulo. Associação Brasileira de Relações Internacionais, Instituto de Relações Internacionais – USP. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/pdf/enabri/n3v2/a34.pdf&gt;. Acesso em: 18/04/2021.