Prof. Dr. Mário Tito Almeida – Universidade da Amazônia (UNAMA).

Um internacionalista é, por definição um analista de fatos internacionais. Ao longo de 4 anos, o acadêmico de Relações Internacionais exercita um olhar diferenciado sobre o que acontece no mundo e sobre as relações de poder que se estabelecem entre os atores do sistema internacional.

Uma análise, no entanto, não se faz sem ferramentas teóricas. A base teórica é fundamental pois permite compreender conceitos, constructos paradigmáticos e cosmovisões que levam a aprofundar suas percepções. E isto tudo revela a profunda necessidade da filosofia para o internacionalista. O presente trabalho visa, em breve, fazer uma reflexão sobre as contribuições da filosofia na formação de um analista internacional e como ela ajudar a ir além do ôntico em seu métier.

Antes de tudo: “o que é ôntico?”, “o que é o ontológico?”. Em filosofia, especialmente a partir de Heidegger e Kant, o ôntico diz respeito ao ente, ao imanente, ao fenomênico (fenômeno: do grego fanós, aquilo que aparece), àquilo que os sentidos nos mostram. O ôntico é o superficial que fundamenta o senso comum. É o que todo mundo vê.

Já o ontológico, em contraposição, diz respeito ao ser, ao que está por trás e além do fenomênico. O ontológico pressupõe sair do comum e buscar enxergar o que nem todo mundo vê.

Ir além do ôntico significa, por isso, exercitar-se na constante busca das raízes dos acontecimentos, das causas de tudo o que acontece no que se chama “realidade”.

O internacionalista é aquele que considera visões alternativas ao senso comum e provoca discussões e apresentações de pontos de vista (“todo ponto de vista é a vista de um ponto”) para enriquecer a compreensão do real. Tudo isso para questionar o naturalizado, encontrar os discursos de dominância, perceber as produções de verdade e de saber que defendem os exercícios de poder e que podem estar silenciando discursos de resistência…

A filosofia é, então, uma ferramenta irrenunciável, pois postula utopias, que é o destino de quem vai além do ôntico. Utopia, no senso comum, é entendido como ilusão, como algo inalcançável. Neste sentido, o utópico é um lunático, alguém que não tem os pés no chão. Chamar alguém de utópico é descrever um sonhador…

No entanto, utopia é totalmente diferente disso. Palavra de origem grega, UTOPIA significa o “não-lugar”, o que não existe…ainda. É o que nos move. É aquilo pelo qual damos sentido ao que fazemos todos os dias. Ter utopias é ter sonhos e horizontes. A utopia, em sua raiz mais originária, é algo que AINDA não existe, mas que se constrói a cada dia. Assim, ser utópico é ser focado, é ter objetivos e lutar por eles. Em suma, é encontrar e dar sentido ao que se faz no cotidiano…

Sem utopias as mudanças não aconteceriam, não haveria lutas e nem melhorias. Sem pessoas utópicas, a sociedade não conquistaria nada. Isso vale para os pequenos sonhos e metas, como também para os grandes acontecimentos do mundo, como a busca da Paz, a luta pelos direitos humanos, os recentes acontecimentos populares na América Latina pelo fim das agendas neoliberais, os movimentos contra o racismo no mundo e as ações de ONGs Internacionais…

Só quem tem utopias pode construir o novo. Ser empolgado, neste sentido, equivale a olhar para o futuro e envolver outros nesse sonho. Utopia é, ao mesmo tempo, algo individual e coletivo. Pelo envolvimento de outros (e de todos) pode-se um amanhã melhor.

O filósofo Gabriel Marcel já dizia que a natureza do homem é ser “homo viator”, ou seja, peregrino, caminheiro, viajante. Mas esta viagem existencial e coletiva só se dá quando se tem clara a UTOPIA.

Sei que no ôntico, o mundo parece um campo de batalha de interesses e de conflitos. Mas, além do ôntico, prefiro continuar sendo utópico, pois com olhar fixo no que se quer alcançar, pode-se construir agora o futuro que se almeja, envolvendo cada vez mais utópico e sonhadores, buscando superar os conflitos no diálogo e na promoção da dignidade da pessoa.

Abraços além do ôntico!