
Kalwene Ibiapina – acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
Tradicionalmente, costuma-se pensar nos líderes como figuras carismáticas, populares e com grande poder de oratória e, de fato, tais características fazem parte do perfil de muitos representantes. Porém, na prática, as pessoas que estão em um cargo de liderança não necessariamente possuem tais atributos e, ainda assim, isso não determina que não possam atuar como “líderes” de determinada massa popular.
O maior exemplo é o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Uma figura política vestida de falso carisma, sem oralidade diplomática, que faz apologia à ditadura e à violência, e sem sucesso político, tendo em vista que, em 30 anos de vivência parlamentar, obteve exatamente 2 projetos de lei aprovados. Mas, a questão é: como um político com tais características governa uma nação? E por quais motivos ele foi eleito? Ademais, qual a repercussão desta liderança para a ordem social brasileira?
Existe uma corrente chamada Teoria da Identidade Social, pensada por Henri Tajfel e John Turner, na década de 80, que busca explicar como um indivíduo se entende como membro de um grupo e como isso está associado às tradições ideológicas, sejam elas culturais, sociais ou religiosas. É justamente essa identidade que conecta os membros de uma massa. No mesmo sentido, o psicanalista Sigmund Freud (1856-1939) e o pioneiro no estudo das massas, Gustave Le Bon (1841-1931), acreditam que o indivíduo na multidão se afasta do seu inconsciente. Paralelamente, essa multidão, compreendida como uma entidade independente, possui desejos e vontades próprias, que não necessariamente coincidem com os mesmos de um indivíduo em isolamento.
Tradicionalmente, as massas são mais afetivas, impulsivas e mutáveis. Elas são levadas quase que exclusivamente pelos seus instintos e, portanto, são menos racionais que seus membros quando tomados individualmente. Um grupo é extremamente crédulo e aberto à influência, não possui faculdade crítica, seus sentimentos são sempre muito exagerados e suas inibições individuais, ou seja, o superego – responsável pelo controle do sentido de moralidade nas pessoas -, se dissipa, o que faz com que essa massa seja extremamente suscetível a seguir um líder.
Bolsonaro promoveu sua campanha eleitoral por meio de discursos preocupados com a conservação da família “tradicional”, por meio de declarações polêmicas e muitas vezes ofensivas, não somente em relação às minorias, como ao público LGBT+, mas às mulheres em geral e aos seus concorrentes ao cargo na presidência. Ele também se utilizou das redes sociais para fomentar sua campanha, colocando-se numa posição de pessoa comum que usa mídias sociais, espalhando fake news que lhe renderam muitos votos de um público bem específico.
Associado a um momento político em que a sociedade brasileira, no geral, encontrava-se em crise quanto à credibilidade nas instituições, em partidos políticos e na representatividade em si, Bolsonaro se promoveu por meio de ataques diretos aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e ao Partido dos Trabalhadores e tudo o que este representa para quem se identifica com a política de esquerda, sempre associando o partido ao comunismo, à corrupção e até à criação de conflitos raciais.
A eleição de Jair Bolsonaro como presidente é um reflexo direto de um grupo específico da sociedade brasileira: uma grande massa conservadora, elitista, preconceituosa, que valoriza a meritocracia, a violência e os interesses próprios. Segundo matéria do jornal El País do Brasil, o perfil majoritário das pessoas que votaram em Jair é de homens brancos, heterossexuais, de classes sociais mais altas e evangélicos. Este é o grupo que se identificou com Bolsonaro. Para esse público, a eleição dele é interessante. Para esse público, Bolsonaro no poder significa manutenção de privilégios. Para esse público, tê-lo como presidente significa o retorno aos tempos em que as minorias eram apenas minorias enquanto eles estavam no topo da hierarquia. Para esse público ele é o herói, o mito.
Neste sentido, quando analisamos como Bolsonaro promoveu a sua campanha eleitoral, entendemos o porquê que ele se elegeu: existe uma grande massa seguindo incondicionalmente o seu líder. Nada mais importa além da obediência, e isso é o que uma simples análise por meio de teorias psicossociais evidencia. Mas, quando analisamos o que isso tem representado na realidade brasileira – quando em plena pandemia da Covid-19, o próprio presidente se recusa a usar máscara em público, subestima a doença e desacredita a ciência e os meios jornalísticos -, percebemos que a alienação tem um predomínio muito mais forte sobre a responsabilidade social individual do que se poderia esperar.
Por isso, o Brasil encontra-se em primeiro lugar em um ranking de países com maior número de casos por dia, sendo que, neste sábado (6), segundo o jornal BBC Brasil, o país apresentou 69 mil novos casos e 1.500 mortes por Covid-19 em 24 horas. Apenas 4 dias depois (10), o número de mortes por dia ultrapassou 2,2 mil, totalizando mais de 270 mil óbitos desde o começo da pandemia.
Enquanto vive-se um momento em que a capacidade de propagação do coronavírus no Brasil é abismal, hospitais do país inteiro estão enfrentando superlotação, escassez de vagas em UTI’s e novas variantes do vírus estão circulando, nesta sexta (05), seguidores do atual presidente estavam promovendo uma manifestação negacionista na Avenida Paulista, em São Paulo, todos sem máscara e proferindo ofensas às pessoas que passavam e que estavam seguindo as regras de proteção contra o novo coronavírus. “Escravos do comunismo”, os manifestantes diziam.
Quando se assume um papel de liderança, se assume também a responsabilidade pelas pessoas que se representa. Quando esses indivíduos não respeitam as recomendações de um organismo internacional destinado à saúde para conter um evento pandêmico – apenas porque o seu representante também não o faz -, e isso leva à morte de milhares de pessoas, a responsabilidade por essas mortes é do líder. É isso o que acontece quando um mau líder controla uma massa.
REFERÊNCIAS:
Angela Dippe é xingada na rua. Isto é, 06/03/21. Disponível em: <https://istoe.com.br/angela-dippe-e-xingada-na-rua-por-usar-mascara-vai-tomar-no-c-com-o-doria/>. Acesso em: 06.03.21
Coronavírus: Brasil é um dos mais afetados entre 75 países onde epidemia ainda cresce. BBC Brasil, 15/06/20. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53047836>. Acesso em: 06.03.21. (Dados atualizados em 8 de março de 2021).
Coronavírus: Brasil registra 32,3 mil novos casos e 987 óbitos por covid-19 em 24 horas. BBC Brasil, 02.03.21. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51713943>. Acesso em: 06.03.21.
Covid-19: ‘contágio é exponencial’ e só lockdown impede tragédia maior no Brasil, alertam cientistas. BBC Brasil, 11/03/21. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56356132>. Acesso em 11.03.21
FREUD, S. (1991). Psychologie des masses et analyse du moi. In J. Laplanche (Org.), Oeuvres complètes (pp. 1-83). Paris: PUF. (Original publicado em 1921).
JESUS, J. G. Psicologia das massas: contexto e desafios brasileiros. Psicologia & Sociedade. Brasília, 2013.
LE BON, G. (1954). Psicologia das multidões. Rio de Janeiro: F. Briguet & Cia. (Original publicado em 1895).
O homem mediano assume o poder. El País Brasil, 14.01.19. Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/02/opinion/1546450311_448043.html>. Acesso em: 06.03.21.
O que é Psicologia das Massas. Psicanálise Clínica, 11.11.19. Disponível em <https://www.psicanaliseclinica.com/psicologia-das-massas/>.Acesso em: 06.03.21
TURNER, J. C. Social identification and psychological group formation. In: TAFJEL, H (org.). The social dimension: European developments in social psychology, vl. 2. Cambridge University, 1977.