Foto: Vladyslav Bobuskyi/Getty Images

Maria Eduarda Diniz – acadêmica do 7° semestre de Relações Internacionais da UNAMA.

Quando se pensa em um grupo de cientistas, a imagem comum que vem à cabeça é de um grupo de homens, normalmente brancos, de óculos, bem arrumados e considerados “mentes brilhantes”. É inegável a história e conquista de muitos que se encaixaram nesse perfil, como Isaac Newton, Francis Bacon, Albert Einstein ou Stephen Hawking, porém, cada vez mais, a história mostra que mais personagens fazem falta nessa imagética comum. Mulheres, mesmo que ganhando cada vez mais espaço dentro de grandes esferas acadêmicas e de poder, ainda assim, quando se fala sobre o campo científico, elas são muitas vezes invisibilizadas.

Simone de Beauvoir (1908 – 1986), em seu famoso livro “O Segundo Sexo” (2009), traça uma importante perspectiva sobre a construção da imagem da mulher. Para a autora, o sexo feminino é limitado pelo conjunto inteiro do patriarcado, com o masculino apropriando-se do neutro (ser humano) e caracterizando o feminino como um ente negativo, ou à parte, a fêmea, levando a mulher a ser identificada como “o outro”, o que provoca a perda de sua identidade social e pessoal, ou seja, uma invisibilização da capacidade e humanidade da mulher.

No primeiro volume de seu livro, a autora apresenta fatos e mitos, analisando múltiplas perspectivas em cima da construção da ideia de “mulher”. Simone de Beauvoir esclarece que nenhuma delas é suficiente para definir o que realmente seria, mas cada uma dessas ideias ajuda a definir a mulher como “o outro” diante do masculino. O segundo volume traz a famosa afirmação: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Assim, Simone de Beauvoir mostra o absurdo da afirmação de que as mulheres nascem “femininas” e devem ajustar-se ao que esse conceito supõe, em seu tempo e sua cultura. Portanto, as imposições que existem sobre a ideia da “mulher” como alguém frágil, fraco ou incapaz, são caracterizações da definição associada a mulher, não algo que seja realmente a verdade.

Dentro do campo científico, houveram discussões quando as mulheres começaram a ser mais notadas nesse meio, sobre o que os assemelhava como cientistas. De dois lados desse debate, um acreditava que as habilidades e o conhecimento necessários a esse meio eram coisas estáveis, sem grande necessidade de esforço ou prática. Do outro lado, defendia-se que essas habilidades e conhecimentos se desenvolvem apropriadamente com esforço e prática constantemente, e que isso poderia mudar de contexto para contexto. Muito desse debate tinha a ver com o fato de que mulheres não eram comumente vistas como aptas aos cálculos elaborados ou grandes equações, e a isso era associado à sua natureza não tão brilhante. Porém, a história prova que isso se devia apenas pela construção social imposta a mulher, e que não a permitia desenvolver suas habilidades.

Algo que chama a atenção, hoje em dia, quando se fala de mulheres e a sua inserção na ciência, é o que mostram os números de “produtividade”. No Brasil, por exemplo, as mulheres são maioria na concessão de bolsas para o mestrado, doutorado, e pós-doutorado, com estimativas acima ou na média de 50%, segundo dados do CNPq, Inep e Parent in Science, de 2018. Porém, quando se fala das bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ), voltadas para pesquisadores que já têm o título de doutor ou livre-docente e que tenham uma produção científica de destaque em suas áreas de atuação, essas correspondem a apenas 36% do total para mulheres, enquanto que para os homens esse número é de 64%.

Mesmo com as imposições sobre o sexo feminino, a história mostra que muitas mulheres não permitiram que essas imposições a impedissem de ocupar lugar de destaque na história da ciência e medicina. Marie Curie, a mulher que intitulou a radioatividade como tal e fez vários estudos sobre elementos radioativos, é o exemplo mais emblemático e lembrado dessa situação, tendo ganhado dois prêmios Nobel por diferentes áreas científicas, algo, até hoje inédito. O Brasil também tem exemplos emblemáticos dessas resistências, como a bióloga Bertha Lutz (1874-1976), especialista em anfíbios, que descobriu uma nova espécie de sapos, o Paratelmatobius lutzii, também conhecido como “Lutz’s rapids frog”.

Muitas mulheres, antes e depois de Curie e Lutz, conseguiram destaque em suas respectivas épocas por seus estudos, nem sempre recebendo o tratamento merecido por isso ou tendo destinos cruéis por serem mulheres e cientistas. A história mostra que, desde o Egito Antigo, a ciência já se proliferava nas mãos de mulheres. Figuras como Tapputi, da Babilônia, conhecida como a primeira mulher química do mundo; Hipácia de Alexandria, famosa filósofa e matemática; e Trota de Salerno, conhecida como a primeira ginecologista do mundo, são exemplos da história antiga de mulheres que resistiram às imposições sobre o seu sexo.

No mundo de hoje, é possível conhecer mais histórias de resistência de mulheres na ciência. Simone de Beauvoir demonstrou em seus estudos que a imagem associada ao feminino era mais uma questão de construção social e histórica do que realmente uma verdade imutável. Problemas de cálculo, estudos científicos, questões de engenharia entre outros não são costumeiramente vistos como algo possível às mulheres, e sim como algo mais fácil aos homens, além de sempre ser colocado à mulher outros obstáculos, como o cuidado do lar.

O “outro” em que se convertia a mulher apareceu como inimigo em vários mitos e se criava a ideia da mulher perfeita, como aquela que não ousava, que não resistia. Os dualismos que Beauvoir começou a demonstrar, e que depois passaram a ser cada vez mais analisados por mulheres pesquisadoras do mundo todo, mostrou os papéis impostos às mulheres. Bruxas, rainhas, guerreiras, demônios, todas essas encarnações carregaram a imagem do “outro”. Quando a ciência moderna começou, o tempo das luzes afastou a caça às bruxas, mas não deu espaço suficiente a essas mulheres que tinham conhecimentos científicos, mas que não tinham o espaço para falar por serem mulheres.

Ada Lovelace. Elizabeth Blackwell. Sau Lan Wu. Rosalind Franklin. Dorothy Vaughan. Katherine Johnson. Mary Jackson. Mae C. Jemison. Mais e mais mulheres que se somam a lista de resistentes, que tiveram que lutar em suas épocas para conseguir a chance de mostrar o quanto podiam conquistar. Elas serviram de inspiração para milhares de meninas e mulheres e cada vez mais são lembradas pelos meios de comunicação. Portanto, a desigualdade ainda não acabou, mas com essa resistência e com a resistência constante de inúmeras mulheres espalhadas pelo mundo, essa desigualdade fica cada vez mais próxima do fim.

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2009.

CECI, Stephen J.; WILLIAMS, Wendy M. Why Aren’t More Women in Science? Top Researchers Debate the Evidence, 2007.

INFOGRÁFICO. Disponível em: <http://www.generonumero.media/infografico-os-caminhos-de-mulheres-e-homens-na-ciencia-brasileira/>. Acessado em 14 de fevereiro de 2021.

HUNT, Jennifer. Why Do Women Leave Science and Engineering? National Bureau of Economic Research, 2010.

MONKMAN, Karen. Framing Gender, Education and Empowerment. Research in Comparative and International Education, Volume 6, Number 1, 2011.