Isis Mayra – Internacionalista formada pela UNAMA

A arte em sua essência é uma expressão cultural. É uma forma de entendermos determinada realidade em seu tempo e espaço. Tem o poder de entender contextos sociopolíticos e subjetividades, marcando a nossa história e delineando a nossa humanidade. O samba é um grande exemplo disto tudo. A partir dele podemos contar a história do Brasil, do processo de colonização, da miscigenação, das relações de opressão e da resistência.

O mundo como conhecemos hoje foi moldado por cadeias complexas e conflitivas. As relações internacionais são preconizadas nesse contexto e se ajustam de acordo com o aumento das interações e dominações entre as diversas culturas e povos. A chave para começar a analisar a história brasileira é o processo de colonização das Américas pelos europeus e a forma como eles dominaram as terras e os povos que foram explorados, desumanizados e massacrados.

De acordo com a teoria pós-colonial, teorizadas por Aníbal Quijano (2005) e de Boaventura de Sousa Santos (2004), o padrão de dominação política, econômica e cultural eurocêntrico instituída no período colonial se perpetuou ao longo dos séculos mesmo após a queda desses regimes, com as relações assimétricas entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, pautas sociais globais como o racismo, a desigualdade social, altas taxas de violência e de evasão escolar. 

De modo geral, os pós-coloniais buscam olhar para o sul global, entender o passado de exploração e dominação, desconstruir as problemáticas enraizadas nessas sociedades e dessa forma pensar em como pode-se transformar e reestabelecer as realidades. É necessário descolonizar em níveis subjetivos, como a arte, valorizando a cultura nacional e regional, problematizando a trajetória linear de desenvolvimento que invisibilizam expressões culturais, lutas sociais e que provocam intolerâncias religiosas.

O samba nasce ao longo da formação da sociedade brasileira com traços de grupos indígenas, europeus e africanos, torna-se uma forma de reunir grupos marginalizados e racializados das periferias. Além disso, é construído um forte vínculo com as religiões de matriz africana, o que gerou diversas composições exaltando a história e cultura dos seus ancestrais. o samba torna-se o símbolo da resistência a dominação eurocêntrica-hegemônica, termo utilizado por Boaventura de Sousa Santos (2004) como “epistemologia do Sul”. Assim, a popularização do ritmo, transborda a periferia e chega à elite brasileira e posteriormente o “Norte global”, o que de certa forma, é o início do processo inverso do contexto colonial.

Portanto, valorizar e estudar a arte nacional, a arte periférica, a arte daqueles que foram oprimidos é um fator extremamente importante para entender o mundo de uma maneira mais holística. O samba subverte o poder hegemônico e exalta a resistência e a diversidade brasileira, escancara o racismo estrutural presente na nossa sociedade, denuncia a opressão e a violência, tudo isso adornado com poesias e melodias que seduziram o mundo inteiro e transformaram o samba no símbolo nacional da cultura brasileira.

REFERÊNCIAS

JATOBÁ, Daniel; LESSA, Antônio Carlos; OLIVEIRA, H. Altemani de – Teoria das Relações Internacionais – São Paulo: Saraiva, 2013

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires, 2005. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf

SANTOS, Boaventura de Sousa. Epistemologías del Sur“, Utopía y Praxis Latinoamericana, p.17-39. 2011

MARTÍNEZ, Chema Garcia. O samba: uma resistência, uma metafísica, uma cura para o corpo. Rio de Janeiro. 2018. Disponível em:   https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/29/actualidad/1524959520_074146.html#:~:text=%E2%80%9CDe%20um%20ponto%20de%20vista,%C3%ADndias%20na%20forma%C3%A7%C3%A3o%20do%20Brasil%E2%80%9D