Emí Rolla Vilas Boas Feitosa- Acadêmica de Relações Internacionais na Universidade de Lisboa

O princípio da soberania garante aos Estados três elementos fundamentais para a sua definição: Jus Tractum, Jus Legationem e Jus Belli. Sendo Jus Belli, o direito soberano de ir à guerra, mas a guerra neste ponto, deve ser considerada justa, mas também, ainda assim existe a distinção entre Jus ad Bellum, a justiça do guerrear e o Jus in Bello, a justiça no guerrear (DE SOUZA LARA, 2017). Entender esses conceitos é necessário para fazer uma análise de qualquer tipo de ação beligerante Estatal, neste caso, a doutrina se mostra oposta aos fatos. Pois, o governo Norte Americano violou todas as definições referidas durante a Invasão ao Iraque em 2003.

A intitulada “guerra ao terror”, assim como o trabalho preparatório para a invasão ao Iraque, foi iniciada antes do atentado de 11 de setembro, pois, a guerra em si teve suas motivações fundamentadas em outras questões subjacentes. Por isso, politicamente, a invasão ao Iraque surge como a aplicação prática de um projeto geopolítico de controle das fontes de poder. Para além disto, o ataque serviria como forma de reafirmar a hegemonia político-militar dos EUA, após os atentados de 11 de setembro. Assim, os neoconservadores acreditavam que o poder norte-americano poderia ser usado para exportar a democracia para o Iraque e transformar as políticas do Oriente Médio (NYE, 2004).

 Em um viés econômico, a guerra traria grandes vantagens para as nações envolvidas com o controle sob as reservas de petróleo encontradas em território iraquiano, visando manter o acesso às fontes de petróleo, desta forma, a prioridade estratégica seria manter o acesso às fontes energéticas do Golfo Pérsico. (EBRAICA, 2006)

Já a estratégia Norte Americana, ela incluía a ação militar preventiva e unilateral e ficou conhecida como ‘Doutrina Bush’, pois, através da aplicação deste modelo, a administração Bush filho enfraqueceu o multilateralismo e as Instituições Internacionais. De acordo com essa linha de pensamento, os EUA invadiram o Iraque para derrubar Saddam Hussein e insistindo na veracidade de suas denúncias, o governo norte-americano pediu autorização do Conselho de Segurança da ONU para que pudesse promover a invasão militar do país, porém, sem ter provas reais que justificassem tal ataque, a ONU decidiu vetar o processo de ocupação dos EUA e mesmo sem o aval das Nações Unidas, buscou apoio do governo britânico para que juntos promovessem a invasão militar do Iraque. (EBRAICA, 2006).  

A invasão foi feita oficialmente em 20 de março de 2003 pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, nesta ocasião, foram enviados 200 mil soldados ao Iraque, pois, a promessa Norte Americana era de uma invasão rápida, sendo parte de uma campanha para derrubar Saddam Hussein, que estava no comando do país desde 1979, com a pretensão de libertar o povo Iraquiano do regime vigente. Além disso, o pretexto seria de recuperar armas de destruição em massa que supostamente estariam em posse do líder iraquiano, pretexto esse que caiu por terra em fevereiro de 2003, no momento em que inspetores da ONU vasculharam o Iraque e concluíram que não havia nenhum indicio da presença ou produção de tais armas.

Um mês após o fim da guerra, houve o início das ações de guerrilha da resistência iraquiana contra as tropas de ocupação e uma das vítimas dos atentados, decorrentes da Guerra do Iraque, foi o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, enviado especial da ONU ao Iraque e morto em agosto de 2003. Mas também, sabe-se que os custos financeiros e humanitários foram altos, segundo a organização Iraq Body Count, que contabiliza as vítimas do conflito desde 2003, houve mais de 288 mil mortes, entre civis e combatentes, em consequência da guerra.

Hoje, a invasão deixou de herança um país fragmentado, politicamente instável e enfraquecido por conflitos sectários que favoreceram a ascensão de grupos extremistas, como o autodenominado Estado Islâmico, e contribuíram para a volatilidade regional. Porém, atualmente, morre-se muito menos, mas nunca mais houve um dia sem mortes violentas. Por isso, há mais gerações de iraquianos que só conhecem a guerra. 

Os EUA, desrespeitaram quase todos os princípios gerais do Direito Internacional, como: o da não-agressão, da solução pacífica de controvérsias, da coexistência pacífica, da autodeterminação dos povos e da soberania, pois, o medo constante da população fazia com que apoiasse qualquer plano do governo, inclusive de atacar um país que não tinha nenhum envolvimento com 11 de setembro. De acordo com Nye, os EUA começaram a ser absorvidos pelo hard power (poder bruto) de sua força militar e não pelo soft power (poder brando), quando começaram a ignorar muitas normas, acordos, fóruns de negociações internacionais (NYE, 2004). Portanto, as premissas liberais acreditavam que a cooperação e a invasão do Iraque violaram todos os princípios dessa linha teórica e a justificativa não se qualificava como satisfatória ou aceitável, pelas palavras de um dos teóricos idealistas mais antigos, Thomas Morus na obra “Utopia”:

“Na realidade nenhuma guerra que se conheça na história, no presente ou no futuro que se possa prever, foi justa.”

REFERÊNCIAS 

DE SOUZA LARA, Antônio. Ciência Política: Estudo da Ordem e Subversão. Edições ISCSP. 2017.

EBRAICO, Paula Mendonça (2006). As Opções de Geopolítica Americana: O caso do Golfo Pérsico. Tese. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Iraq Body Count – Disponível em: <https://www.iraqbodycount.org/database/&gt;

NYE, Joseph S. O paradoxo do poder americano: por que a única superpotência do mundo não pode prosseguir isolada. Tradução de Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo: Ed. da UNESP, 2002. p. 15-16.

NYE, Joseph S. Soft power: the means to success in world politics. New York: PublicAffairs, 2004. p. 27).