Esther Rodrigues – Acadêmica do 5° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

A partir de 2014, devido a fatores determinantes em seu país de origem como a instabilidade econômica, a intervenção estatal e a privatização de suas terras, a segunda maior população indígena da Venezuela começou a atravessar a fronteira com o Brasil de forma mais incisiva, mas o que pareceu uma alternativa razoável se revelou uma realidade cruel. Longe de terem conseguido melhores condições de vida, a situação do povo Warao em Belém é marcada por desafios que falam mais sobre o despreparo do Estado em si do que sobre as necessidades particulares desse grupo de imigrantes (Rosa e Quinteiro, 2020). Felizmente, há um lugar no campo das Relações Internacionais que se preocupa em conferir suas demandas.

Quando os primeiros estudos sistemáticos sobre guerra e paz surgiram, a ideia de Estado e os paradigmas construídos para discutir esses episódios foram majoritariamente concentrados em realidades ocidentais tradicionais, ou seja, estes assuntos eram tratados de forma limitada e privilegiando uma narrativa única. Ao longo dos anos, no entanto, tornou-se ocorrência verificável por meio de diversas teorias sociais que os vários temas que regem o sistema internacional possuem uma complexidade de atores tão grande que não pode ser ignorada se as Relações Internacionais querem de fato ser um campo que discorre sobre o universal.

Como um dos expoentes da Teoria Crítica, Linklater incita a superação do protagonismo do Estado como ator social que centraliza a comunidade política, marginaliza as minorias e exclui estrangeiros. Em particular, a perspectiva cosmopolita de Andrew Linklater parece sintetizar ideias a serem projetadas em uma nova ordem política mundial ao colocar em voga a necessidade de repensar os direitos de participação política de cada indivíduo, entendendo que o constante diálogo é um método eficaz para se chegar a uma resolução que não silencie ou ignore as vozes da minoria. Assim, o autor ainda ressalta a necessidade de criar instituições internacionais que assistam a participação de outros atores na agenda política mundial e é nesse sentido que podemos inserir as migrações indígenas (Pinheiro, 2017).

Inicialmente, a jornada do povo Warao no Brasil foi percebida pelos estados de Roraima e Amazonas, agora, mais recentemente, chegaram a Belém no estado do Pará a mais de 3 mil e 500 quilômetros de distância do seu lugar original, o Delta do Amaruco. As vezes no mercado do Ver o Peso, outras ao redor do Bosque Emílio Goeldi, em feiras, em praças ou mesmo perto dos semáforos das ruas de Belém, em vários pontos da capital paraense é possível identificar os imigrantes indígenas Warao que chegam sem a assistência do governo venezuelano e com várias incertezas quanto ao emprego, moradia e alimentação (Barbosa, 2018).

Em 2018, a prefeitura municipal chegou a declarar estado de emergência social devido ao aumento do fluxo migratório, com isto, o governo do estado disponibilizou recursos financeiros para a manutenção de três abrigos exclusivos para os Warao, dos quais dois estão superlotados e o terceiro ainda não possui data de entrega. Desde então várias ações foram pensadas para acomodar estas famílias como o projeto Direito Sem Fronteiras que prevê a proteção dos direitos de crianças e adolescentes Warao e a iniciativa do governo em emitir documentos que regularizem a situação migratória (Leão, 2019).

Um grande desafio a ser destacado entre o povo Warao e o estado paraense, é a superação do choque cultural. De um lado, há a necessidade dos imigrantes indígenas de viver a sua cultura diferente com a assistência dos direitos humanos básicos e do outro há a imperatividade do estado em assisti-los sem uma visão culturalmente orientada pelas suas próprias tradições. Um exemplo claro disso, é o fato de que as crianças são vistas como coparticipantes não tuteladas na sociedade Warao, com direitos e reponsabilidades diferente da sociedade brasileira, atrelado a isto o hábito de pedir doações na rua é considerado um costume para essa etnia e mesmo crianças estão sujeitas ao hábito que para a legislação brasileira é crime.

Assim, colocando em perspectiva a visão de Linklater podemos entender as demandas específicas das migrações indígenas internacionais. Embora o Estado seja um ator envolvido na gênese do processo, é necessário questionar a ideia de Estado-nação no centro do debate pela natureza transfronteiriça das migrações. Como Linklater pontua, o Estado possui o monopólio político que marginaliza as minorias, exclui os estrangeiros e assim aumenta as desigualdades, delegar a este ator social o poder decisório integral ao trato dos imigrantes é restritivo e acaba deixando lacunas nas pautas complexas da migração. Situação que fica ainda mais clara quando colocamos em perspectiva os seus hábitos alimentares, o xamanismo, as noções de parentesco e trabalho.

Por último, é importante assinalar que já existem instituições que vocalizam as demandas das minorias e criam um diálogo não excludente e simultâneo entre o Estado, a sociedade e os povos indígenas migrantes internacionais, como a Organização Internacional paras as Migrações, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e a Cepal na América Latina. Assim como o autor considera, a inclusão de pautas em organismos internacionais comumente ignoradas pelo Estado tem trazido não apenas visibilidade e comoção internacional como também ajuda financeira e assistência técnica em todo mundo e inclusive em Belém.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Catarina. Migrante cidadão: a sobrevivência dos Warao em Belém e Santarém. Amazônia Real, Belém, 14 de mar. de 2018. Disponível em: <https://amazoniareal.com.br/migrante-cidadao-sobrevivencia-dos-warao-em-belem-e-santarem/ >

LEÃO, Bianca. A segunda luta por sobrevivência dos indígenas Warao. Amazônia Real, Belém, 19 ago. de 2019. Disponível em: https: <//amazoniareal.com.br/a-segunda-luta-por-sobrevivencia-dos-indigenas-warao/>

PINHEIRO, Bruna. Análise da síntese da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe sobre os avanços e desafios para a garantia dos direitos povos indígenas da América Latina. 6º Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais, Belo Horizonte: UFPA, 2017. Disponível em: <https://www.encontro2017.abri.org.br/resources/anais/8/1503191116_ARQUIVO_ABRI.PINHEIRO,BRUNA.ANALISEDASINTESEDACOMISSAOECONOMICAPARAAMERICALATINAEOCARIBESOBREOSAVANCOSEDESAFIOSPARAAGARANTIADOSDIREITOSPOVOSINDIGENASDAAMERICALATINA(1).pdf>

ROSA, Marlise; QUINTERO, Pablo. Entre a Venezuela e o Brasil: algumas reflexões sobre as migrações Warao. 32ª Reunião Brasileira de Antropologia. Nov. 2020. Disponível em: <file:///D:/Desktop/Site%20Inter%20Da%20Amazon/ARTIGOS/Entre%20a%20Venezuela%20e%20o%20Brasil%20(ROSA%20-%20QUINTERO)%20[Waraos].pdf >