Maria Eduarda Diniz – acadêmica do 6° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

A pandemia de COVID-19 trouxe grandes mudanças para o cenário internacional, e, agora, com os testes para vacinas contra o vírus sendo feitos em alguns países do mundo, alguns em estado final, o mundo começa a ter uma esperança de que logo haverá um retorno à “normalidade”. Porém, nem todos estão tão certos quanto à espera de boas mudanças em relação à vacina, por causa da questão econômica, principalmente, já que, alguns analistas afirmam é: “O que existe agora é uma verdadeira competição pelo controle e pela distribuição da vacina que pode ‘curar o mundo’ – mas, que só salvará quem der o melhor preço”.

Na Ciência Política, assim como nas Relações Internacionais, é comum associar poder a um fenômeno relacional, que implica em conseguir imprimir determinado comportamento em um ou em um grupo de indivíduos. Susan Strange, teórica da economia política internacional (EPI), entende que o poder deve ser visto de outro modo, não completamente distante do sentido tradicional da ciência política, mas, sim, com uma visão mais ampla. Strange entende que poder tem a ver com a “dialética entre objetivo e resultado”, em que o objetivo ao qual o resultado mais atende demonstra quem tem mais poder, mas essa não é uma relação sempre direta, pois “os meios, a negociação, a vontade, somente para citar algumas dessas variáveis, interferem na consecução ou não dos objetivos como resultados” (apud ALENCAR; NUNES, 2018, p. 04).

A partir dessa ideia de poder, a maior contribuição de Susan Strange à Economia Política Internacional reside na Teoria do Poder Estrutural. Assim, Strange diz: “O poder de determinar as estruturas da economia política global dentro da qual os demais Estados, suas instituições, suas empresas e até seus cientistas e profissionais deverão operar” (STRANGE, 2015, p. 8, cap. 1). A autora também entende que a EPI se divide nas estruturas financeira, produtiva, de segurança e de conhecimento, e que essas estruturas ajudam a entender a dialética do objetivo-resultado do momento.  A característica mais importante da teoria de Strange é que o poder estrutural tem a capacidade de alterar a gama de escolhas disponíveis aos outros agentes que estão na estrutura, no caso, no sistema internacional, o que significa que esse poder pode facilitar uma certa gama de escolhas e possibilidades, enquanto impõe custos e riscos a determinadas decisões. Para ela, esse poder se mostra principalmente no planejamento e na negociação entre o poder político e o econômico, de mercado.

Observando a pandemia e o recente avanço nas pesquisas por uma vacina, começaram a surgir certas preocupações, pois, entre os pioneiros na produção de vacinas estão os Estados Unidos, com sua Operação Warp Speed, a Europa, principalmente com Oxford, a Rússia e a China também têm suas próprias vacinas, sendo vistas como candidatas líderes. Além disso, os países menos desenvolvidos dentro da Ásia, da África e da América Latina, começaram testes clínicos com algumas dessas vacinas, principalmente a russa e a chinesa, o que foi interpretado como uma tentativa de acordo para o acesso mais rápido a vacina que apresentar eficácia mais rapidamente.

A preocupação surgiu justamente pela competição global entre as nações produtoras da vacina, o que gerou um nacionalismo que começou a aparecer à medida que os testes iriam avançando, podendo impedir que os mais necessitados alcançassem a imunização o quanto antes. A alocação ineficaz de qualquer vacina pode significar que pessoas vulneráveis ​​em certos países recebem a vacina muito tarde, levando a mortes que poderiam ser evitadas.

Os primeiros relatórios dizem que as vacinas chinesas custarão US$ 145 (145 dólares) por injeção no mercado aberto, enquanto as de Oxford, no Reino Unido, custarão apenas US $ 4-10 (4 a 10 dólares) porque serão subsidiadas, porém, é a vacina chinesa que mais está avançando nas pesquisas. Por isso, o ideal seria que os governos subsidiassem as vacinas parcial ou totalmente, ou elas serão inacessíveis para os mais pobres, na maioria dos casos. Mas, alguns países planejam fornecer vacinas gratuitas e até mesmo pagar as pessoas para serem vacinadas para garantir a imunidade, mas, isso também depende do custo dessas vacinas. Sem uma vacina, o impacto econômico mundial da COVID-19 poderia ser de 3,4 trilhões de dólares por ano, porém, mesmo quando uma vacina estiver disponível, uma alocação desigual dessas pode custar à economia global até 1,2 trilhão de dólares por ano, em PIB.

Mesmo com a parceria da COVAX, que envolve 172 países, alguns países asiáticos e africanos negociaram acordos, e mesmo para quem os fez, não há garantias de que a quantidade de doses que será obtida será suficiente para cobrir toda a população. Isso acontece porque, como as vacinas, que estão tendo resultados, estão sendo produzidas por um grupo seleto de países, assim, a cobertura que a COVAX pode conseguir e alcançar, ainda deixará uma margem da população mundial, o que continua a ser um problema para a economia mundial, pois, se ainda houver regiões sem acesso a vacina, no mundo interdepende atual, ainda haverá riscos sanitários e a economia mundial continuará a atuar no vermelho, pela falta de potencial econômico de certas regiões.

Como dito anteriormente, a preocupação que começou a surgir com o avanço das vacinas está relacionada ao nacionalismo da vacina, porque, como as mais elegíveis pertencem à Rússia, aos Estados Unidos e à China. Dessa forma, percebe-se que há uma competição, entre qual vacina, de qual país, conseguirá ter o efeito mais rápido e com quantos países seria possível fazer acordos por ela, relembrando o poder estrutural de Susan Strange, pois, essa postura indireta desses Estados acaba influenciando na gama de escolhas disponíveis para a população mundial.

À primeira vista, o objetivo de todos é conseguir a cura para o vírus, mas dentro de uma competição por poder no cenário internacional, logo, o objetivo com essa cura, pelos Estados Unidos (como um exemplo), teria mais a ver com reassumir sua posição de potência, enquanto que para o Brasil (exemplo) seria apenas o objetivo original, de cura. Se o resultado final, mesmo que alcance ambos, beneficiar bem mais o objetivo dos Estados Unidos, então este é considerado o detentor de poder. O mesmo vale para todos aqueles que estão produzindo as vacinas: aquele que a conseguir mais efetiva em menos tempo, poderá conseguir determinar a gama de possibilidades que os outros Estados têm para escolher, e com isso também controla os riscos e custos dessas decisões.

Tais fatos remetem ao pós-segunda guerra mundial, novamente, em que vários Estados estavam sem forças para se sustentar sozinhos e os Estados Unidos surgiu como o “salvador”, porém, a guerra sanitária que o mundo vive hoje atingiu proporções bem maiores que aquele conflito. Portanto, aquele que emergir com a “cura” pode ocupar um novo ou velho papel no sistema internacional. Como Susan Strange ensinou, não se desassocia o político do econômico, pois, os dois estão intrinsecamente interligados, porque investir numa saída multilateral, que beneficie a todos de forma igual e não crie “vencedores” no final, seria o cenário ideal. Porém, as articulações do poder estrutural nunca estão muito distantes da arena do sistema internacional.

REFERÊNCIAS:

STRANGE, Susan. States and markets. London: Bloomsbury, 2015.

ALENCAR, Fernando; NUNES, Lucas. Susan Strange: poder estrutural e hierarquia monetária, uma breve discussão. Revista de Geopolítica, 2018.

https://www.rand.org/randeurope/research/projects/cost-of-covid19-vaccine-nationalism.html

https://medicalxpress.com/news/2020-08-science-economics-covid-vaccines.html

The Challenging Economics of Vaccine Development in the Age of COVID-19, and What Can Be Done About It