Esther Rodrigues – acadêmica do 4° semestre de Relações Internacionais da UNAMA.

Hoje em dia, parece que tudo de alguma forma nos leva aos Estados Unidos. Do catálogo de filmes da Netflix onde a maioria das produções são estadunidenses à maioria das redes de Fast Food, dos artistas musicais do momento para as maiores empresas de videogame ou mesmo pelas universidades mais prestigiadas do mundo, de alguma forma, este país parece ter uma forte presença política, econômica e social. Assim, para entender como esse país conseguiu se transformar nesta potência mundial, precisamos primeiro compreender o que é a Teoria de Estabilidade Hegemônica defendida por Robert Gilpin e depois analisar como ela traduz a ascensão norte-americana.

Segundo Robert Gilpin, para um Estado nacional se tornar uma hegemonia, isto é, uma liderança amparada não somente no uso da força militar como também em um consenso político-ideológico, ele deve estabelecer uma estrutura com normas e regras pautadas na construção de uma ordem econômica que possa promover os seus interesses e posteriormente os interesses da maioria das nações do sistema. Assim, esse país líder seria capaz de fornecer bens públicos globais como uma moeda internacional estável, uma economia de mercado e o investimento e financiamento necessários para o crescimento econômico das outras nações do globo (PEREIRA, 2011).

Então, para entender como os Estados Unidos conseguiram realizar esse feito, nós precisamos voltar para o final da Segunda Guerra Mundial, quando as nações estavam fragilizadas pelo ciclo de conflitos que assolaram certa parte dos países no mundo. Com o fim desta guerra, a reconstrução econômica foi um dos temas mais sensíveis a ser abordado, pois, foi necessário estruturar, novamente, o regime monetário e o sistema financeiro que guiariam as nações debilitadas. Assim, em 1944, aconteceu na cidade estadunidense de Bretton Woods a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, um encontro que iria projetar os Estados Unidos como uma hegemonia mundial (PONTES, 2019).

Com a presença de 44 nações, os acordos de Bretton Woods tiveram grande participação dos norte-americanos e de sua agenda voltada ao liberalismo, quando as decisões do mercado não são assistidas pelo Estado. Dentre as medidas, os participantes definiram o dólar americano como padrão de negociações internacionais, em oposição ao antigo padrão-ouro e a criação de três instituições que iriam guiar o sistema financeiro e o regime monetário do mundo, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e o Acordo  Geral de  Tarifas e Comércio (GATT), atual Organização Mundial do Comércio (OMC), (PONTES, 2019).

Nos anos que se seguiram aos acordos de Bretton Woods, estas instituições começaram a promover os interesses estadunidenses, isto é, a predominância do dólar como moeda de transações internacionais e um sistema econômico internacional que basicamente retirava dos Estados nacionais a responsabilidade de fiscalizar a economia. Esta dinâmica foi, posteriormente, colocada em prática sob a assistência do Plano Marshall, que assegurou a participação americana na reestruturação das economias dos países atingidos pela guerra (PONTES, 2019).

Desta forma, com o exposto por Gilpin, é possível compreender o papel crucial que as instituições originadas na conferência de Bretton Woods tiveram ao sustentar a força político-ideológica norte-americana. Essa tripla institucionalização do FMI, BM e GATT encabeçada pelos estadunidenses, foi pautada na criação de uma estrutura com normas e regras voltadas para a liberalização do comércio mundial e pela a ideia de que este regime monetário iria trazer o crescimento econômico necessário para as outras nações, inclusive, para as que ainda estavam em desenvolvimento, e isto não só garantiu os interesses como também projetou os Estados Unidos como uma potência mundial.

Posteriormente, em um encontro que ficou conhecido como o Consenso de Washington, as instituições criadas em Bretton Woods foram revisadas por diversos economistas e passaram a defender práticas econômicas neoliberais, termo que faz referência a medidas mais bem elaboradas como a privatização de empresas estatais, a reforma tributária e a disciplina fiscal. No entanto, como Paulo Batista já mostrava em 1994, “Não se tratou, no Consenso de Washington, de formulações novas, mas simplesmente de registrar, com aprovação, o grau de efetivação das políticas já recomendadas, em diferentes momentos, por diferentes agências” (BATISTA, 1994). Ou seja, na prática, as medidas institucionais reafirmaram de forma mais concreta e ampla o livre mercado defendido pelos Estados Unidos.

Atualmente, embora os norte-americanos continuem presentes em vários países ao redor do mundo através da sua economia e da sua força político-ideológica, os acontecimentos recentes dentro do sistema internacional como a pandemia da covid-19 e a ascensão chinesa como potência mundial, com suas próprias instituições como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), tem colocado em evidência a falha das políticas liberais norte-americanas em promover o bem-estar global, além de expor as lacunas da liderança estadunidense.

Portanto, será que daqui a alguns anos as produções chinesas serão a maioria no catálogo de filmes da Netflix? É possível que as universidades chinesas se tornem referência global? Ou será que outra nação, como a Alemanha, por exemplo, irá liderar o sistema mundial sobre a mesma ordem monetária? Se existe alguma projeção concreta é o fato de que o sistema internacional está em constante mudança.

REFERÊNCIAS:

PEREIRA, Alexsandro. Três perspectivas sobre a política externa dos Estados Unidos: poder, dominação e hegemonia. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, vol.19, n.39 jun., 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782011000200016.

PONTES, Rúbia. A ordem econômica internacional e os Estados Unidos: da constituição de Bretton Woods à rearticulação de interesses. Revista de Iniciação Científica em Relações Internacionais, v 6. N 12. set., 2019. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ricri/article/view/41554/27780.

BATISTA, Pereira. O CONSENSO DE WASHINGTON: A visão neoliberal dos problemas latino-americanos. USP, São Paulo, set. 1994. Disponível em: https://www.fau.usp.br/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/nogueira94/nog94-cons-washn.pdf.