Iago Braga – Acadêmico do 4° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

Robinson Crusoé é um personagem criado pelo romancista inglês Daniel Defoe, com  um roteiro que se desenrola após o seu naufrágio ocorrido em meio a uma viagem para uma colônia nas Américas. Sua história foi escrita no início do século XVIII e suas aventuras são o reflexo inequívoco da relação entre colonizador (superior) e colonizado (subalterno), algo que, pelos ares de seu tempo, é escancarado, como: a domesticação de um nativo – apelidado de Sexta-Feira (DEFOE, 2009).

O resgate da narrativa “robinsoniana” é, muitas vezes, levado à tona por autores clássicos liberais, em uma tentativa de representação das “naturais” relações econômicas (MARX, 2013, p. 211), mas, na verdade, essa relação revela a face colonizadora desses intelectuais.  Por isso, o liberalismo é tido como a maior expressão de colonialismo da história do Ocidente (SETH, 2013 apud OLIVEIRA, 2017, p. 173). Esses aspectos, como a universalização de uma realidade europeia para o resto do mundo, são ponderados exaustivamente pela linha teórica pós-colonial, a qual objetiva, com os seus estudos, a denúncia das relações de poder coloniais e a libertação dos colonizados (Ibid., p. 164).

Do mesmo modo, é nessa configuração, até então inédita, de relações de poder que se estabeleceram, superposto à hierarquia e às funções sociais de outrora, as noções de raça e identidade racial. Segundo Quijano (2005, p. 117): “A ideia de raça, em seu sentido moderno, não tem história conhecida antes da América”. Aos europeus, a concepção de raça (o europeu que é superior ao não-europeu) serviu como legitimação para suas práticas exploratórias e selvagens ao redor do globo. No entanto, com o passar dos séculos, essa classificação se tornou cada vez mais restrita, chegando ao ponto de acometer o próprio europeu, assim surgiu o fascismo. Frantz Fanon (1968, p. 71), teórico negro e revolucionário, em sua obra prima “Os condenados da Terra”, dispara: “Mas, na escala do indivíduo e do direito internacional, que é o fascismo senão o colonialismo no seio de países tradicionalmente colonialistas?”

Apesar de outras características do nazifascismo, como o chauvinismo ou o reacionarismo, aborda-se, aqui, as inspirações da sua face propriamente racista. Isto é, dessa visão deturpada que é herança dos tempos coloniais e de grupos de intelectuais que a impulsionaram e que hoje são lembrados como “defensores da liberdade”. Por isso, é necessário lembrar-se das contradições de emancipação e desemancipação que aconteceram no perlongar de revoluções liberais, por exemplo: os colonos americanos – representados “também e talvez em primeiro lugar” pelos teóricos do Sul – que denunciavam a tirania inglesa ao mesmo que tempo que reivindicavam superioridade sobre negros e ameríndios (LOSURDO, 2008, p. 315-322).

Foi por meio do pensamento desses intelectuais que emergiram as instituições e as políticas que moldaram a civilização Ocidental e a sua história. Foi o avanço desses “civilizados” sobre os “bárbaros” que resultou no genocídio dos peles-vermelhas à margem do Mississipi sob justificativas que recorriam ao direito e, inclusive, à predisposição divina à terra daqueles colonos e, décadas depois, na equiparação de negros e asiáticos a animais de estimação em regimes de apartheid nos EUA e na China (Ibid., p. 245, 346).

Não se pode fugir do fato de que foram essas instituições que inspiraram as experiências do nazifascismo. Não se pode ignorar a correlação das Ligas de Defesa da Liberdade e da Propriedade (1922) na Itália e as Ligas dos Brancos nos EUA (Ibid., p. 352). Não se pode esconder a pretensão de colonização da Europa e construção do espaço vital por Hitler quando dizia que o “nosso Mississipi será o Volga, não o Níger” (FRITZ, 2011, p. 93), lembrando o feito dos colonos americanos.

É nesse sentido, portanto, que Fanon interpreta o fenômeno do nazifascismo e o deslocamento das cruéis atividades colonialistas exercidas sobre as Américas, sobre África e sobre Ásia para os países que as exerciam historicamente. Pois, compreender o fascismo como um processo legado pelo colonialismo, onde a figura do colonizado não se encontrava mais como um “bárbaro”, mas sim, como um europeu tendo que enfrentar o seu próprio Crusoé, o seu colonizador também europeu, é de suma importância. 

REFERÊNCIAS

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. Porto Alegre: L&PM, 2009.

FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

FRITZ, Stephen G. Ostkrieg: Hitler’s war of extermination in the east. Kentucky: The University Press of Kentucky, 2011.

LOSURDO, Domenico. Contra-história do liberalismo. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2008.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

OLIVEIRA, P. H. S. de. O pós-colonialismo nas relações internacionais: uma proposta para repensar teoria, estrutura e racionalidade no Sistema Internacional. Revista Liberato, v. 18, n. 30, p. 163-176 (2017).

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.