Maria Carolina Regateiro – acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais da UNAMA.

O processo de colonização ocorrido na América do Sul, por meados do século XV, envolveu uma discussão dicotômica entre humanos- representados pelos europeus brancos, e os não-humanos- povos indígenas e posteriormente africanos escravizados. A missão civilizatória europeia tratou de hierarquizar, além dos fatores políticos e econômicos, também os fatores raça e gênero, de modo que as mulheres indígenas passaram a ser alvo de ações coordenadas que as objetificavam e as viam como corpos a serem explorados, tanto no sentido labora quanto sexual, construindo uma subjetividade que as diferenciavam, por exemplo, das mulheres brancas. Deste modo, as mulheres indígenas passaram por opressões diferenciadas em relação a outros grupos sociais, se tornando assim, juntamente com as mulheres pretas, as principais vítimas do tráfico humano na Amazônia.

As estruturas coloniais, durante esse longo período, eram impostas e mantidas pela intimidação e pelo poderio militar, mas também, eram enraizadas pela construção de novas mentalidades de inferioridade e submissão. A colonialidade, então, pode ser entendida como um mecanismo de dominação, tendo em seu principal objetivo, a subalternização dos colonizados e a perpetuação da hegemonia dos colonizadores (QUIJANO, 2005). Desta forma, a colonialidade está na base do poder, do saber, do ser, e posteriormente, do gênero, que se tornou uma grande ferramenta para entender a América Latina como um todo, pois, esse sistema colonial seria evidenciado pela combinação entre raça, gênero, sexualidade e classe (LUGONES, 2008).

O feminismo de resistência de Maria Lugones (2005), busca mostrar como a colonialidade de gênero faz-se necessária para entender o atual contexto da América Latina, aprofundando-se, inclusive, na inseparabilidade da racialização, com a exploração capitalista. 

A colonialidade de gênero permite-me compreender a opressão como uma interação complexa de sistemas econômicos, racializantes e engendrados, no qual cada pessoa no encontro colonial pode ser vista como um ser vivo, histórico, plenamente caracterizado. Como tal, quero compreender aquele/a que resiste como oprimido/a pela construção colonizadora do lócus fraturado. (LUGONES, 2014, p. 941)

Por mais que o tráfico humano, para fins de exploração sexual, exista na realidade há séculos, foi apenas no ano de 2000 que se estabeleceu uma definição amplamente aceita em cenário internacional sobre tráfico de pessoas. A Convenção de Palermo, como ficou conhecida a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, foi adotada na Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), em novembro de 2000, na cidade de Nova Iorque. O Protocolo de Palermo, além de conceituar as formas pelo qual o tráfico humano se manifesta, também, estabelece padrões para prevenção do crime e proteção das vítimas.

De acordo com a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf), coordenada pelo Cecria (Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes) e publicada em 2002, as mulheres pretas e pardas são as que mais se encontram presentes em número nas estatísticas de tráfico humano no Brasil. Grande parte destas mulheres são de classes populares, habitam em periferias e  em interiores e possuem baixa escolaridade. Suas idades variam entre 15 e 27 anos. 

Para estas mulheres, são oferecidas as mais diversas propostas de trabalho, como: a indústria do sexo – que apesar da mulher aceitar exercer este papel, o trabalho acaba se tornando extremamente abusivo, pois, priva a liberdade e os direitos básicos da vida humana, deixando a vítima sem oportunidade de sair quando quiser; o mercado da moda, comumente em agências de modelos; como empregadas domésticas e babás; dançarinas e cantoras em casas de show, e entre muitas outras possibilidades. Todas essas opções podem levar à exploração sexual, e posteriormente, além de outras situações, como o trabalho análogo à escravidão e o tráfico de órgãos.

Portanto, atualmente, o tráfico de mulheres ainda é visto como um tabu, possuindo uma baixa politização sobre este assunto, principalmente, entre as comunidades mais vulneráveis, e por isso, este crime é o terceiro crime com maior lucratividade no mundo, atrás, apenas, do tráfico de drogas e de armas.

Referências bibliográficas

LUGONES, María. Colonialidade e gênero. Tabula Rasa. Bogotá. Nº 9: 73-101, jul-dez, 2008. 

LUGONES, Maria. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas. Florianópolis. Set-Dez.2014.

OLIVEIRA, Márcia Maria. Tráfico Internacional de Mulheres na Amazônia: Desafios e Perspectivas. Fazendo Gênero 9, Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. 2010. Disponível em: <encurtador.com.br/ghW34>

Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf). 2002. Disponívem em: <https://www.mprs.mp.br/media/areas/infancia/arquivos/trafico.pdf&gt;.

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. A Colonialidade do saber, eurocentrismo e Ciências sociais. Buenos Aires. CLACSO. (2005). UNODC. Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes. c.2020. Disponível em: <https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/trafico-de-pessoas/index.html>. Acesso em: 21 de jun. de 2020.