Matheus Castanho – Acadêmico do 3° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
Este ano marca o 75° aniversário das duas e únicas vezes em que armas nucleares foram usadas em um conflito bélico. Um cenário que se manteve uma constante probabilidade através da guerra fria e a corrida armamentista que a acompanhou.
No atual mundo globalizado e interdependente tal é considerado na percepção geral uma possibilidade distante, uma tragédia do passado que não chegou ao seu clímax, fruto de um mundo mais egoísta e predatório. Porém diversas tendências e ocorrências no cenário internacional tornam cada vez mais aparente que a repetição e potencialização deste cenário é não somente provável, como inevitável.
Para esta análise, é preciso a familiarização de duas premissas. Sendo estas uma teoria de Relações Internacionais e uma tendência do cenário internacional. A teoria em questão é o realismo ofensivo, proposta do neorrealismo de John Mearsheimer. Sendo neste mostrado que devido a anarquia do sistema o conflito é sempre presente e os Estados, buscando assegurar sua própria sobrevivência, têm o incentivo para buscar hegemonia, assim como o constante incremento de seu poder em detrimento de seus concorrentes, algo motivado pela falta de certeza acerca das intenções dos outros Estados. Mearscheimer diz em seu livro The Tragedy of Great Power politics (2001):
Os estados prestam muita atenção em como o poder é distribuído entre eles, e fazem um esforço especial para maximizar sua parcela de poder mundial. Especificamente, eles procuram oportunidades para alterar o equilíbrio de forças adquirindo incrementos adicionais de poder às custas de rivais em potencial. (p.34)
A outra premissa que devemos ter em mente é a análise feita pelo cientista político Ian Bremmer em seu livro O Fim das Lideranças Globais. Bremmer (2013) mostra que o mundo está caminhando para o G-zero, um cenário onde as grandes potências têm cada vez mais dificuldade de tomar a frente da governança global. Isto é ocasionado por vários fatores, seja os crescentes problemas internos enfrentados em diversos poderes mundiais, a constante instabilidade econômica desde a crise de 2008, cesarianísmo político em nível global ou a crescente ineficácia das resoluções e organizações internacionais. Um exemplo desta premissa que concerne o tema é o fracasso do acordo nuclear iraniano, a saída dos EUA e da Federação Russa do tratado de forças nucleares de alcance intermediário em 2019 e a baixa expectativa acerca da renovação do tratado de redução de armas estratégicas, também entre as duas potências (PÉREZ-PEÑA; NECHEPURENKO; SANGER, 2019; COCKBURN, 2019).
Levando em conta os dois postulados, é um fato de que armas nucleares são um instrumento geopolítico importante no sistema internacional. Ao ter um dispositivo nuclear, um Estado é capaz não apenas de desincentivar um ataque externo, mas como também ter uma vantagem estratégica em caso de guerra. Algo que sendo fundamentalmente valioso no ponto de vista bélico será usado dada as necessidades e condições apropriadas. O uso e a fabricação de tal são limitados, no entanto, pelo medo de retaliação em nível internacional, algo comumente feito pelas grandes potências tendo em vista um interesse comum temporário. A maior proliferação de armas nucleares é certa por conta do crescente unilateralismo vigente, o medo de retaliação é diminuído em meio ao menor poder de atuação hegemônico. O fracasso do acordo nuclear iraniano por exemplo, apresentando um precedente para outros países da região buscarem criar seus próprios arsenais, em especial a Arábia Saudita, o principal oponente regional do Irã (TOON, 2019).
A probabilidade de um grande conflito na Ásia ainda neste século é alta. É um continente com pouca cooperação e várias potências nucleares, com diversas delas em contestação por conta de conflitantes interesses geopolíticos, assim como disputas territoriais causadas por ultrapassadas fronteiras do domínio colonial. O sudeste Asiático e o subcontinente indiano sendo as áreas mais prováveis para um conflito nuclear. A recente tensão no vale Galwan mostra que a balança de poder no subcontinente é extremamente frágil. O crescente nacionalismo na região é um grande motivador para uma retomada de hostilidades na rivalidade entre Índia e Paquistão, alinhado também ao crescente desejo Chinês de frear o avanço de seu principal oponente continental (RODRÍGUEZ, 2019).
No entanto é o sudeste Asiático a zona de maior risco. A crescente assertividade Chinesa, motivada por uma visão de erosão da capacidade de contenção Americana, pode facilmente ocasionar um conflito em razão de uma “má calculação” estratégica. O único freio para o expansionismo Chinês era a possibilidade de intervenção Americana como resposta a uma investida militar, porém para Pequim as constantes dificuldades dos EUA desde a crise de 2008 resultou numa narrativa de seu inevitável declínio como superpotência mundial. O exército Chinês tem crescido em capacidade e confiança através das últimas duas décadas, assim como o desejo de expansão da zona de influência do titã Asiático. Seja por conta do ascendente nacionalismo do partido comunista Chinês ou como meio de isolar seus rivais japoneses e indianos. Uma investida Chinesa sobre Taiwan ou uma militarização completa do mar do sul da China, ambos cenários altamente prováveis em uma continuação da atual política externa do governo de Pequim, certamente levaria para um conflito com os EUA e, por consequência, com o resto da OTAN (FLOURNOY, 2020).
Tal conflito certamente levaria para a detonação de dispositivos nucleares, pois as altas perdas políticas que ocorreriam na perda de ambos os lados levaria a utilização de quaisquer vantagens de poder-força disponíveis no esforço de guerra dada a necessidade de tal ação. Algo demasiadamente provável levando em conta que o conflito nuclear por pouco não ocorreu em situações bem menos tensas que um cenário de guerra total entre potências, como a crise de mísseis de Cuba e a guerra da Coreia.
Em síntese, a guerra nuclear é inevitável levando em conta as tendências presentes no cenário internacional. Seja no maior risco inerente apresentado na nova proliferação nuclear, ou na falta de coerção necessária para evitar um conflito de grande escala entre já presentes potências nucleares. Em todos os casos, o famoso ditado romano se mostra sempre atual: “Dulce bellum inexpertis” – “A guerra é doce para quem não a experimentou”.
Referências:
BREMMER, Ian. O Fim das Lideranças Mundiais. Editora Saraiva, 2013.
COCKBURN, H. Ameaça de guerra nuclear “perigosamente próxima”, alerta relatório parlamentar. The Independent, 24, abril, 2019. Disponível em https://www.independent.co.uk/news/uk/home-news/nuclear-war-threat-trump-russia-arms-cold-war-house-lords-a8883976.html.
FLOURNOY, Michèle A. How to Prevent a War in Asia: The erosion of american deterrence raises the risk of chinese miscalculation. Foreign Affairs, 18 de junho de 2020. Disponível em https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2020-06-18/how-prevent-war-asia.
MEARSHEIMER, John. The Tragedy of Great Power Politics. University of Chicago, 2001.
PÉREZ-PEÑA, R.; NECHEPURENKO, I.; SANGER, D. E. Last major nuclear arms pact could expire with no replacement, Russia says. The New York Times, 01, novembro, 2019. Disponível em https://www.nytimes.com/2019/11/01/world/europe/nuclear-arms-pact-expire-russia.html.
RODRÍGUEZ, U. N. South China Sea, the geopolitical pivot to control Asia. Latin America in moviment, 14, fevereiro, 2019. Disponível em https://www.alainet.org/en/articulo/198163.
TOON, O. B. et al. Rapidly expanding nuclear arsenals in Pakistan and India portend regional and global catastrophe. Science Advances, v. 5, n. 10 (2019).