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Maria Eduarda Diniz – acadêmica do 6° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

A diplomacia brasileira sempre foi reconhecida no exterior por suas contribuições aos direitos humanos. Em temas como direito das mulheres, das crianças, questões de guerra e refúgio, o Brasil era reconhecido como um grande mediador. Porém, acontecimentos recentes abalaram essa visão sobre o Brasil, depois que o país resolveu se abster em uma votação sobre o relatório dos direitos das mulheres, das Nações Unidas. Mudar discursos, como Jacques Derrida explica, tem a capacidade de mudar a realidade.

Para Derrida, os discursos por trás da realidade têm uma grande importância, porque a realidade não é uma presença pura, mas formada por representações, e são os discursos que determinarão o que pode, ou não, ser representado e como será representado. Ele propõe compreender a realidade como um espaço essencialmente discursivo, onde diferentes discursos competem para se fixar, estabilizar e naturalizar os sistemas de representação. Assim, ele explica, a realidade deve ser entendida como uma espécie de texto, o qual é produzido por práticas discursivas cujo interesse é criar sistemas de significados que orientem e legitimem a ação política, isso também quer dizer que, se o discurso muda, então a realidade também muda.

Nas Nações Unidas, projetos de resoluções referentes à discriminação estão sendo discutidos, e, desta vez, o Brasil dá indícios de estar ao lado dos países ultraconservadores. Na resolução, que é encabeçada pelo México, é tratado dos direitos das mulheres e meninas, e, entre os tópicos, da importância da educação sexual e dos direitos à saúde sexual. Anteriormente, o Itamaraty já havia pedido que esses termos fossem removidos da resolução, por entenderem que tais termos poderiam dar abertura ao papel do aborto, algo que o México, e vários outros países, negaram veementemente.

Países ultraconservadores, como Egito, Arábia Saudita e Rússia, propuseram emendas ao texto. As emendas envolvem remover termos como direitos reprodutivos, ou direito sobre a “autonomia do corpo”, ou até remover o termo “direitos de mulheres e meninas” e deixar apenas para mulheres. Quando na votação sobre essas emendas, o Brasil, resolveu se abster, ou “lavar as mãos” sobre essas mudanças. Essa política gerou muita polêmica, já que o país acabou se juntando a outros países ultraconservadores, como Afeganistão e Líbia, que também se abstiveram sobre as emendas.

Como Derrida explica, discursos são poderosos porque, ao mudar a prática discursiva, é possível mudar a própria realidade. A resolução das Nações Unidas busca agir como um guia para os Estados-membros, sobre uma realidade que se busca garantir. Ao modificar termos, as práticas discursivas também são passíveis de modificação, ou seja, a realidade esperada pode mudar, e impor uma ordem diferente da esperada no plano original. Esses momentos, em que os discursos estão sendo discutidos, também demonstram a realidade política que os Estados buscam fortalecer ou legitimar, seja internamente, seja em suas relações externas. A votação sobre o relatório da ONU trouxe polêmicas por mudanças de posicionamento, mas só o futuro demonstrará qual discurso prevalecerá, neste momento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Brasil se abstém em votação na ONU contra discriminação de mulheres e meninas. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/07/brasil-se-abstem-em-votacao-na-onu-contra-discriminacao-de-mulheres-e-meninas.shtml>. Acessado em 18 de julho de 2020.

Em manobra, Brasil lavará as em ação de ultraconservadores na ONU. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/07/16/em-manobra-brasil-lava-as-maos-em-acao-de-ultraconservadores-na-onu.htm>. Acessado em 17 de julho de 2020.

RESENDE, Erica Simone Almeida. A Crítica Pós-moderna/Pós-Estruturalista nas Relações Internacionais. Editora UFRR, 2010.