2016 Tony Awards - Show

Maria Eduarda Diniz – acadêmica do 5° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

No 4 de julho, os Estados Unidos celebram a sua independência do Império Britânico, e é um dia lembrado por ser a vitória da Revolução que abalou o mundo, desencadeando vários eventos históricos que vieram em seguida. Os “pais fundadores” como Thomas Jefferson e George Washington são muito conhecidos na história americana, porém, alguns importantes pais fundadores foram esquecidos na narrativa, e foi para resgatar um desses que o musical Hamilton foi protagonizado.

Alexander Hamilton foi o primeiro tesoureiro dos Estados Unidos, conhecido por ter escrito, com outros dois colegas, um importante documento chamado O Federalista, em que fala sobre os pilares do constitucionalismo americano, e por ter desenvolvido um sistema financeiro bem desenvolvido. A história de Hamilton se mistura com a história do início dos EUA como um país livre e o musical, com músicas específicas para cada momento da história, busca recontar a história que é conhecida.

O espetáculo começa apresentando essa figura, questionando a audiência, Alexander Hamilton, um imigrante, nascido em uma ilha isolada no Caribe, órfão e completamente sem dinheiro, que conseguiu chegar em Nova York e se tornar figura chave na Revolução Americana. O musical mostra como a América realmente era entendida: como a terra das oportunidades, porém, quando Hamilton chega as pessoas já estavam começando a demonstrar sua insatisfação diante do domínio britânico. Alexander começa a conhecer outros que seriam chamados de “pais fundadores”, como Aaron Burr, outro pai “esquecido” da Revolução e sua crescente ambição traz tanto amigos poderosos, como o próprio George Washington, quanto inimigos futuros, como James Madison.

O show foi muito elogiado por inovar na escolha de atores negros e latino americanos para papéis principais que geralmente ficavam com pessoas brancas. A mensagem era clara e continua sendo bem atual: a América foi feita por muitas pessoas, e todas merecem ter sua voz ouvida. Parte dessa mensagem é retratada no musical já que a questão escravocrata não foi resolvida com a Revolução, e em vários momentos, como na música The World Turn Up Side Down, é questionado se a liberdade que foi conquistada era uma liberdade “de fato”, porque nem todos eram livres. 

O espetáculo também traz outras questões importantes como a forma como o Império Britânico enxergava as treze colônias, com um rei extremamente possessivo, além de tratar de questões do patriarcado, com as Irmãs Schuyler, que várias vezes questionam os papéis que as mulheres eram obrigadas a assumir, principalmente a irmã mais velha, Angélica Schuyler, e que, por várias vezes, demonstram que podem fazer muitas mais do que apenas ficar e guardar as casas. 

Porém, algo ainda mais importante é mostrar o durante e o depois da Revolução. A revolução americana não foi ajuizada por todos, com as cenas de guerra mostrando a dificuldade dos combatentes em se manter na guerra, já que muito era negado a eles, graças ao controle britânico e a descrença de parte da elite americana. O rei Jorge III, após a perda, questiona o recém nascido país se conseguirá se virar sozinho já que é muito difícil controlar uma nação. E a jornada de Alexander Hamilton, e dos outros pais fundadores, realmente demostra a dificuldade do processo, quebrando um pouco o imaginário dos bons velhos tempos”, trazidos em várias campanhas presidenciais republicanas.   O imaginário que a revolução e o início da independência está sempre cercada por um certo “glamour”, mas o musical quebra boa parte desse imaginário, aprofundando a história de Alexander Hamilton. 

A América depois da Revolução está quebrada e destruída e, enquanto se reconstrói, não consegue se livrar de várias amarras coloniais. As ambições políticas de todos aqueles que participaram da batalha aumentam, mas as atitudes são diferentes. Tramas políticas tomam conta do governo, a constituição se mostra uma grande bagunça, e os Estados Confederados ainda não sabem como se relacionar. Hamilton busca garantir seu lugar no seu tempo já que ele tem “os olhos da história sobre ele”, como alerta o general Washington, e vai contra suas próprias forças para conquistar o que precisa, fazendo com que suas ambições tomem conta da sua vida.

Esse caminho lhe custa muitas coisas, inclusive, sua vida, e, principalmente no momento final, o musical também traz mais algumas lições de história, mostrando, por exemplo, o quanto as tramas de poder são algo que existe desde o início da nação, como The Room Where it Happens mostra bem com, outrora aliados, se voltando rapidamente uns contra os outros; e outra lição mostrando como exclusões estruturais foram feitas pela história, excluindo narrativas que falassem dos escravos, das mulheres, dos migrantes, como Hamilton, e projetando mais aquelas que tiveram poder para se manter. 

Com isso, Alexander Hamilton foi uma figura quase esquecida por anos, diferente de outros “pais fundadores” que tiveram suas histórias contadas e relembradas. Ao revisitar isso, o musical buscou relembrar pontos esquecidos pela história e trazer lições que deveriam ser aprendidas com erros do passado, sobre como não esquecer nem silenciar as vozes que construíram e constroem uma nação todo dia.