Antonio Amorim – Acadêmico do 3° Semestre de Relações Internacionais da UNAMA
Um dos propósitos da teoria pós-colonial (ou decolonial) é recontar a história de um ponto de vista contra-hegemônico dos povos colonizados, uma vez que ela é concebida como narrativa dos poderosos, isto é, parte do próprio sistema colonial (JATOBÁ, 2013, p. 121). Isto permite entender o porquê do agravamento dos movimentos anti-racistas nos últimos dias, que tomaram proporções internacionais.
No último domingo (7), manifestantes em Bristol, no Reino Unido, derrubaram uma estátua em homenagem a Edward Colston, traficante de escravos e membro do Parlamento britânico que viveu no século XVII. De acordo com a polícia local, as manifestações ligadas ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), em Bristol, reuniram mais de 10 mil pessoas neste domingo e foram, em sua maioria, pacíficas.
Colston dá nome a pelo menos 20 estradas em Bristol, além de escolas, prédios e hospitais. As homenagens, entretanto, dividem opiniões porque dados históricos relacionam às mortes de cerca de 19 mil negros escravizados no século XVII. Estima-se que a Companhia Real Africana, empresa com a qual Colston estava envolvido, transportou mais de 84 mil homens, mulheres e crianças para serem escravizados nas Américas e no Caribe.
Não obstante, as manifestações que começaram nos Estados Unidos após a morte de George Floyd, um homem negro assassinado por um policial branco no último dia 25 em Minneapolis, se multiplicaram em diversas cidades da Europa.
O incidente envolvendo a estátua de Colston não foi o único registrado nessa última semana. Na Bélgica, manifestantes cometeram atos parecidos com as estátuas do rei Leopoldo II, que reinou no país de 1865 a 1909 e foi responsável pela morte de milhões de africanos nas décadas em que foi proprietário da única colônia particular da história, onde hoje fica a República Democrática do Congo. Espalhados pelo país, seus bustos e estátuas viraram alvo preferencial dos belgas que aderiram aos protestos pela morte de Floyd.
Todos esses fatos podem ser analisados a partir da perspectiva pós-colonial, em especial do sociólogo peruano Aníbal Quijano, que discute a ideia de Colonialidade do Poder. Este é um conceito que dá conta de um dos elementos fundantes do atual padrão de poder, a classificação social básica e universal da população do planeta em torno da ideia de “raça”.
Essa ideia e a classificação social e baseada nela (ou “racista”) foram originadas há 500 anos junto com a América, a Europa e o capitalismo. São a mais profunda e perdurável expressão da dominação colonial e foram impostas sobre toda a população do planeta no curso da expansão do colonialismo europeu (QUIJANO, 2007, p. 94).
Nesse sentido, é válido considerar que incidentes como estes que têm ocorrido com maior frequência reforçam a ideia da emancipação da estrutura eurocêntrica ainda enraizada nas linhas de pensamento mainstream (ou como diriam os teóricos pós-coloniais, nas epistemologias do norte) das Relações Internacionais, por exemplo. Portanto, “descolonizar” as diversas áreas do conhecimento assume um papel de transformação nas práticas discursivas ocidentais, dando lugar a novas concepções, identidades, povos, e formas de resistência cultural.
REFERÊNCIAS:
Belgas querem derrubar estátuas de rei que colonizou a República Democrática do Congo. Disponível em: https://www.folhadelondrina.com.br/mundo/belgas-querem-derrubar-estatuas-de-rei-que-colonizou-a-republica-democratica-do-congo-2994573e.html . Acesso em: 08 jun. 2020
JATOBÁ, Daniel; LESSA, Antônio Carlos; OLIVEIRA, H. Altemani de – Teoria das Relações Internacionais – São Paulo: Saraiva, 2013.
Ingleses derrubam estátua de traficante de escravos durante protesto . Disponível em: https://www.diarioonline.com.br/noticias/mundo-noticias/591681/ingleses-derrubam-estatua-de-traficante-de-escravos-durante-protesto . Acesso em: 08 jun. 2020
QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder y clasificación social. In: CASTRO GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Orgs.). El giro decolonial. Reflexiones para una diversidade epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Universidad Javeriana-Instituto Pensar, Universidad Central-IESCO, Siglo del Hombre Editores, 2007.