dois-papas-1Maria Eduarda Diniz – acadêmica do 5° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

O Vaticano é um dos segredos mais bem guardados do mundo. O acesso a seus arquivos é estritamente limitado, seu banco não abre as portas, e as políticas internas ainda são fruto de teorias da conspiração espalhadas pelo mundo. O filme indicado ao Oscar de 2020, Dois Papas, percorre todo o caminho que levou Jorge Bergolio a se tornar o Papa Francisco e mostra o Vaticano de uma forma muito próxima e familiar, como pouco se via antes.

Começando por mostrar a “rixa” entre os dois candidatos ao papado, Bento XVI e Francisco, o enredo se inicia com a morte de João Paulo II, Papa muito amado e conhecido por suas políticas favoráveis aos pobres. Sua morte coloca a Igreja Católica em um momento decisivo, em que ela precisa decidir entre promover reformas ou se manter conservadora. Isto provoca uma demora na votação dos cardeais, mas, no final, a Igreja decide se manter conservadora, com a figura de Bento XVI.

Jorge Bergolio, na época, reza por Bento e volta a pregar na Argentina, até que chega 2012, o ano que foi o epicentro de uma série de revelações e escândalos ligados a Igreja Católica e ao Papa. Bento XVI, na figura do ator Anthony Hopkins, começa a sentir que não está mais conectado ao Senhor, e percebe sinais estranhos que lhe indicam que a cadeira de São Pedro não é mais seu lugar. Junto a isso, Bergolio volta, e ambos começam a sentir novamente as mãos de Deus arquitetando suas vidas, através de pequenas coincidências e pequenos sinais.

O filme, apesar do que poderia parecer, não busca promover comparações entre os dois padres, mas sim outras comparações, principalmente entre a Velha Igreja e a Nova Igreja; entre o humano e o santo. O Papa Francisco é o centro, é a história de como ele chegou ali, de como ouviu o chamado em sua juventude. As conversas entre ele e Bento carregam as dúvidas sobre o futuro da Igreja, sobre o que era melhor para ela, criando um pano de fundo em que as Eras da Igreja Católica brigam para serem representadas por quem sentar na Cadeira de São Pedro.

Tanto Francisco quando Bento, no começo, são fixos em seus pontos de vista, profundamente conectados com o que acreditam ser a verdade. Ambos não compreendiam um ao outro, e isso porque, como fica claro, eles tiveram experiências de vida completamente distintas. Porém, a medida que passam tempo juntos, relembrando e comentando sobre os caminhos que os levaram até ali, eles percebem que possuem a mesma preocupação, em diferentes intensidades: a preocupação de saber ouvir a voz de Deus.

Isso nos mostra o caráter humano de um Papa. Dentro do imaginário popular, os padres são figuras santificadas, que não possuem pecados. Porém, não é assim. Apesar do longa constituir conversas imaginárias, os fatos narrados são reais, e os dois padres, ao discutir o dever de um Papa, discutem também a sua humanidade. Um Papa é um ser humano, como bem afirma Bento XVI a Francisco. Este, constantemente lembra de seus pecados como homem, achando-se indigno da posição de Papa. Até hoje, Francisco é figura polêmica na Argentina, o qual divide opiniões. Jonathan Pryce, que interpreta o nosso atual e querido Papa, preocupou-se em mostrar o peso que esse homem põe sobre os ombros, culpando-se por não proteger quem ele queria proteger.

Bento XVI ganha uma face muito humana, também revelando sua angústia diante da crise da Igreja e da evasão de fiéis, confessando o seu maior pecado, a conivência diante do abuso de certos bispos, algo que foi o principal pivô para a crise da Igreja. O filme é delicado, em nenhum momento força posições, ele se preocupa em mostrar o crescimento de dois senhores, assim como o crescimento da sua amizade e da sua confiança.

Os minutos passam rápido ao assistir Dois Papas. O filme nos permite conhecer de perto duas das figuras históricas mais importantes da atualidade, nos permitindo conhecer suas angústias e fraquezas, suas alegrias e sonhos, aproximando-os mais de nós, do que seria possível crer.