Thaise Leal – Internacionalista formada pela Universidade da Amazônia (UNAMA).
A multiface da área de Relações Internacionais (RI) possibilita um amplo e diverso olhar analítico sobre o mundo e seus fatos cotidianos, sem necessariamente, ter que ser superficial. Dizer isto é importante, porque quando o objeto de análise em questão é uma tragédia ambiental que mata mais de 700 pessoas e deixa mais de um milhão de crianças em situação de risco, escolher apenas um ponto de vista para refletir é um desafio.
As teorias positivistas e pós-positivistas de RI na área da economia, diriam que Moçambique, país africano, que foi colonizado e duramente escravizado por Portugal, chegando aos primeiros passos da democracia apenas em 1994, adquiriu um rombo de bilhões de dólares, o que complica ainda mais os bilhões de divida externa, a desigualdade social e a distribuição de renda entre o Norte e Sul do país.
Ainda é possível refletir que o ciclone Idai é o resultado de anos de descuido e esquecimento sobre as mudanças climáticas. Pouquíssimos países têm se empenhado para frear as causas do aquecimento global, e possivelmente, ainda se verá muitas outras catástrofes como essa ocorrendo não apenas na África, mas também em outros continentes.
Os países que hoje incorporam um posicionamento neorrealista frente à desastres como o ocorrido no sudeste da África, cruzam os braços e não emitem nem ao menos notas de pesar como sinal diplomático. Nada de ajuda humanitária. Estão ocupados demais fazendo política nacionalista e retrocedendo princípios universais sobre a importância do ser humano.
Muitos outros vieses de análise poderiam ser discorridos, no entanto, o objeto principal da catástrofe em Moçambique, Zimbábue e no Malauí, são as pessoas. São crianças, mulheres, homens, idosos, órfãos… Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), no período de 9 a 21 de março, deste ano, foram afetadas pelo ciclone Idai mais de três milhões de pessoas de Moçambique, do Zimbábue e de Malauí.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) detectou os primeiros casos de cólera e mais de dois mil casos de infecções agudas. Segundo levantamentos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima-se que nos três países africanos um milhão e 578 mil crianças estão em risco.
Para refletir de forma transversal sobre as fraquezas políticas e sociais de Moçambique e da África frente à necessidade de ajuda humanitária, há dois importantes conceitos que são importantes para a presente reflexão. David Karp (2014) entende que há vários tipos de responsabilidades, mas duas são essenciais, a responsabilidade universal e a responsabilidade específica.
A responsabilidade universal é assumida por todos os agentes morais, enquanto que a responsabilidade específica deve ser adotada por um subconjunto específicos de agentes. Dentro da responsabilidade universal, existem elementos gerais e especiais. Os gerais seriam prima face que é a responsabilidade de não causar dano a outras pessoas, de ajudar aos estrangeiros… e os especiais seriam o cuidado com as crianças e com a próxima geração.
No cenário exposto pelas organizações governamentais, o impacto negativo não tem como centro de preocupação a precariedade da economia local, nem sobre o modelo político seguido, não é sobre se os presidentes de Moçambique, do Malauí e de Zimbabué têm adotado políticas inclusivas para todas as etnias e grupos sociais.
Há uma clara responsabilidade específica, do subconjunto representado pelos chefes de Estado desses países. No entanto, a principal responsabilidade a ser refletida é a universal. Mais de um milhão e meio de crianças estão tendo seu futuro ameaçado, sem pais, sem alimento, sem acesso à saúde e a educação, sem uma infância plena.
Pode-se analisar a situação de Moçambique, Zimbabué e Malauí a partir de qualquer perspectiva de Relações Internacionais, o que não pode ocorrer é o negligenciar da responsabilidade do teórico, do leitor e de todo indivíduo. Todo ser humano de qualquer parte do mundo precisa assumir suas responsabilidades gerais e especiais, de não causar dano para quem está próximo e de proteger o presente e o futuro das crianças e dos estrangeiros. Nas palavras de Karp (2014) “That all moral agents ought to be able to live a happy life, or a reasonably secure life, or a life free from poverty, and so on, are all agent neutral reasons”.
REFERÊNCIAS:
EL PAÍS. Moçambique. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/21/album/1553152776_634472.html> Acesso em: 06 de abril de 2019.
KARP, David. Responsibility for human rights: transnational corporations in imperfect states. New York: Cambridge University Press, 2014.
ONU. Especialistas da ONU pedem solidariedade com africanos afetados pelo Ciclone Idai. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/especialistas-da-onu-pedem-solidariedade-com-africanos-afetados-pelo-ciclone-idai/> Acesso em: 06 de abril de 2019.
PORTAL DO GOVERNO DE MOÇAMBIQUE. Disponível em: <http://www.portaldogoverno.gov.mz/por> Acesso em: 06 de abril de 2019.